Início e fim

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  Ae acordou ouvindo a voz de Nong'Yim cantarolar.

Se fosse em outros tempos não prestaria atenção, porque ela gostava de cantarolar músicas que sua cunhada cantava para ela antes de dormir, e muitas eram em inglês. Ela tinha uma memória de dar inveja a muita gente e sempre reproduzia o que ouvia com sua voz linda e suave.

Mas havia duas coisas agora. Ae passou muito tempo só vendo sua querida sobrinha esporadicamente e depois ficou com ela dia e noite no mês em que passou com sua família tentando fazê-lo aceitar sua nova vida. Ela tinha crescido muito, se tornado mais... Atenta, na falta de uma descrição melhor e ele agora entendia muito bem inglês e algumas outras línguas.

Ela cantava em inglês e era uma música sombria; Ae se ergueu da cama e foi até ela, sentada no sofá debaixo da janela brincando com uma boneca de pano bonita que o Yuan comprou para ela enquanto ainda estava só os dois os esperando.

Ele se sentou as costas dela e colocou a cabeça no ombro delicado:

— Onde aprendeu essa música, meu amor?

Perguntou cuidadoso, ela ficou em silêncio e então apontou para fora onde no jardim dos fundos, para onde aquele quarto dava, tinha uma imensa árvore de salgueiro chorão:

— Mamãe estava ali essa manhã e cantou para mim, ela disse que eu vou viver com o tio Ae agora e que eu vou ser feliz e que não é para mim ficar mais triste. Mamãe e o papai, o vovô e a vovó foram para outro mundo, né tio Ae, e que o dia e a noite também vêm e vão... O que isso significa, tio Ae? Onde é esse outro mundo?

Ae engoliu em seco e fechou os olhos.

Dez dias. Já faziam dez dias em que chegou em casa e recebeu nos braços sua sobrinha órfã e a noticia mais dolorosa que nunca imaginou ouvir antes. Sabia que o natural da vida era as pessoas envelhecerem e morrerem, mas seus pais, seu irmão, sua cunhada ainda eram novos demais. Contudo a vida não mandava aviso, ela simplesmente acontecia e ela aconteceu para e ele e Yim.

Perdeu quase toda a família naquele acidente sem ter podido dizer adeus ou ouvir dos pais algo mais do que as últimas palavras da última vez. Que ele não era mais filho deles, que ele era uma vergonha para a família.

Aquilo tinha doído? Demais, mas nada comparado a dor de agora.

Diziam que crianças superavam mais rápido, e agora pensava que sim, era verdade. Ao invés dele acalentar sua sobrinha era ela quem fazia a cada gesto inocente e palavras sinceras.

Olhou para a porta, deixou Pete sozinho para lidar com o advogado e tudo o mais, sabia que Can e Tin estavam resolvendo o pior, que fora daquele quarto uma montanha de problemas tinham que ser resolvidos e ele... Ele devia ajudar, mas simplesmente não conseguia ir muito longe da Yim, era como se ela fosse seu porto seguro agora, tinha medo que ela desaparecesse também...

Quão tolo ele ainda era?

— Tio Ae? Onde é esse outro mundo?

Ela perguntou de novo.

— Uns chamam de céu, outros de outro mundo, alguns chamam de nova vida, seja onde for, eles foram para lá e vão nos amar de lá ainda, certo? Vamos ficar bem.

— Mamãe disse que eu devo cuidar do tio Ae, porque ele é muito chorão – Yim se virou e o abraçou pelo pescoço. Ae só conseguiu contornar a cintura dela e fechar os olhos – Eu estou aqui tio Ae, eu nunca vou sumir nem ir embora.

— Yim...

Ae chorou, ainda que pensasse que todas as lágrimas do mundo já tinham sido gastas naqueles dias. E eles ficaram ali até que ele se acalmasse, então sua sobrinha saiu do sofá e estendeu a mão como se fosse a mais velha dos dois e mais madura do que seus poucos mais de oito anos:

Meu seme engomadinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora