43. Ponto de viragem

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20 de novembro de 2021

André

- Tens tudo para ter a vida com que sempre sonhaste, por isso... É só continuares a sonhar. – a Raquel declara e o seu olhar, que antes tinha fugido do meu, volta a mim.

- Ainda não tenho tudo... - murmuro, mais para mim próprio do que para ela ouvir, mantenho o meu olhar preso ao seu.

Há algo de tão... Magnético nela. É algo que nos puxa sempre um para o outro, mesmo quando nos forçamos a afastarmo-nos. Quero dizer, não pode ter sido por acaso que, três anos depois, tenhamos vindo parar novamente a viver na mesma cidade. Seja lá o que for que existe entre nós, não permite que estejamos completamente afastados um do outro. Mesmo tendo estado três anos a evitarmos qualquer contacto um com o outro, de modo a curarmos tudo aquilo que um dia nos magoou e fez sofrer, os meus pensamentos voltavam sempre a ela e uma ou outra vez lá eu me perdia nas fotos antigas e nas lembranças que temos juntos. E aqui estamos nós, mais uma vez, perdidos nos olhos um do outro, envolvidos numa atmosfera tão intensa que quase torna difícil respirar.

Ela tem razão. Estou na melhor altura da minha vida, num clube espetacular onde me sinto feliz, estável e realizado. Mas não tenho tudo para ter a vida com que sonhei. Falta ela, do meu lado. Falta-me acordar e vê-la deitada ao meu lado ou adormecer abraçado a ela. Falta-me poder beijá-la sempre que me apetece. Falta-me estar com ela sempre e para sempre. Não quero mais ninguém. Não quero estar com outra pessoa. É só ela e sempre será só ela. Acredito que o nosso destino, seja lá o que isso for, é o mesmo e que não há forma de nós vivermos separados, porque tudo parece muito mais perfeito quando estamos juntos. É com ela que eu quero casar e com quem eu quero construir uma família – ou alargar a família, porque o Santiago é parte dela também e será sempre minha família também, mesmo que não tenhamos o mesmo sangue.

- André... - ela sussurra, numa tentativa de terminar o nosso pequeno momento.

- O que foi? – pergunto, no mesmo tom, como se estivéssemos a contar um segredo que mais ninguém pode ouvir.

- Começar do zero, lembras-te? Devagar? Um passo de cada vez? – ela enumera uma sucessão de perguntas, quase como se lesse os pensamentos que vagueiam na minha cabeça.

- Sim, lembro. – respondo – Não estamos a fazer nada que comprometa qualquer uma dessas coisas. Além disso, eu acredito em amor à primeira vista, tu não? – brinco, tentando aligeirar o momento e ela sorri, mas tenta disfarçar – Eu estou apaixonado por ti e quero estar contigo, desculpa-me não conseguir disfarçar mais isso. – declaro, subitamente, sem eu próprio estar a contar com as palavras que saem da minha boca – Eu sei que fui eu quem propôs toda esta coisa de começarmos do zero, de criarmos uma nova amizade do zero, deixando para trás tudo aquilo que fomos, mas... Até que ponto somos capazes de fazer isso? Para fazer isso, eu teria de ter esquecido tudo o que sinto por ti e isso não é possível. Não é possível porque eu continuo a amar-te como te amava há três anos e porque a cada dia que passa eu me vejo mais e mais apaixonado por ti. Sim, nós temos uma história, uma história que nem sempre correu bem e que provavelmente deixou algumas marcas nos dois, mas... Foi essa história que nos trouxe até aqui, hoje. Foi tudo o que aconteceu que fez de nós quem somos. E eu confesso-te que, quando me disseste que querias recuperar o que nós perdemos, eu fiquei assustado. Estar contigo assustava-me um pouco, porque não queria que nos voltássemos a magoar, porque tinha medo que se nos voltássemos a magoar fosse ainda pior e se tornasse em algo totalmente irremediável. Mas eu já não estou assustado, Raquel. Nós conhecemo-nos, independentemente de hoje sermos pessoas diferentes de quem éramos quando nos conhecemos. Nós crescemos, mas o nosso fundo continua a ser o mesmo. Ambos vivemos coisas que nos mudaram, mas que nos trouxeram novamente aos braços um do outro. Até quando vamos ignorar isso? Até quando vamos ignorar o que sentimos e fingir que estamos bem como apenas amigos quando ambos queremos muito mais do que isso? – questiono, agora num tom de voz já normal.

Segundas Oportunidades | André Silva ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora