20 de novembro de 2021
Raquel
Se há coisa importante que tenho aprendido desde que comecei a trabalhar na clínica é que não levar o trabalho para casa é mais difícil do que parece, sobretudo quando nos cruzamos com pessoas bondosas, com corações gigantes, e que estão a passar por enormes tormentos. Nem sempre é fácil sermos apenas profissionais de saúde e deixarmos de lado o nosso lado emocional e nem sempre é fácil sabermos gerir ambos em simultâneo, porque dissociar o cérebro do coração é muito complicado.
Assim, durante todo o caminho de metro até casa, eu não paro de pensar na Mrs. Parker, que conheci hoje. Uma senhora adorável na casa dos sessenta anos, que nunca pôde ter filhos e que, por isso, dedicou toda a sua vida, em conjunto com o marido, a viajar pelo mundo e a fazer voluntariado em vários pontos do planeta. Nos últimos meses, segundo os seus relatos e os do marido, começou a sentir-se mais cansada do que o habitual e a cair com alguma frequência, devido à crescente falta de equilíbrio e destreza que tem vindo a sentir. Os médicos estão a fazer-lhe uma bateria de testes e exames, mas o diagnóstico dela está quase certamente confirmado – Doença de Parkinson.
Não sendo uma doença fatal, não deixa de ser uma doença degenerativa progressiva que causa uma grande incapacidade a longo termo. Apesar de não haver cura, há já inúmeros tratamentos usados nesta doença – o problema é que não funcionam da mesma maneira em todas as pessoas e, por isso, tem de se ir testando se determinado tratamento é, ou não, eficaz naquele paciente. Medicação e fisioterapia é o futuro reservado à Mrs. Parker, mas o que mais me faz confusão é imaginar que esta mulher, cheia de vida e energia, com um coração ainda cheio de amor para dar e vender, vai ter de alterar toda a sua vida e, gradualmente, vai deixar de fazer todas as coisas que a fazem feliz – o que, em muitos casos, pode conduzir a depressão. Imaginar um futuro desses para esta adorável senhora faz o meu coração doer.
Quando chego a casa, o Santiago está sentado na sala a ver um filme com a Tânia e eu logo cumprimento os dois.
- Mãe, hoje posso ir jantar a casa do Ed e dormir lá? Ele tem um jogo novo para a playstation e queria jogá-lo comigo. – o Santiago pergunta – A casa dele é super perto da nossa, mãe, e os pais dele vão estar lá. Além disso, amanhã é domingo. – ele argumenta a seu favor e eu sorrio.
- Fico feliz que já tenhas feito muitos amigos, Santi. – declaro – Tens a certeza de que os pais dele não se importam?
- Sim. Eu ontem vim com ele da escola e foram os pais dele que nos foram buscar, até foram eles que me convidaram para jantar lá. – o meu filho responde e eu suspiro. Quando é que ele cresceu tanto?
- Okay... Tu podes ir. Mas eu vou lá levar-te, está bem? Não te quero a andar por aí sozinho à noite e quero dar uma palavrinha de agradecimento aos pais dele. – respondo e o Santi solta um yes de entusiasmo – Mas é para teres juízo, ouviste?
- Sim, mamã. – ele sorri – Vou arrumar as minhas coisas! – ele exclama, correndo para o seu quarto.
- Não gosto nada que o meu filho seja tão independente e autónomo. – suspiro, sentando-me ao lado da Tânia – Está a crescer demasiado rápido.
- Tens um filho incrível, tens é de ter orgulho disso. Ele está a crescer, a tornar-se um pré-adolescente e vai começar a precisar cada vez menos de ti. Vai-te custar, mas faz parte. – ela comenta e eu assinto, sabendo que ela tem razão – Como correu o teu turno?
- Bem... Conheci uma senhora incrível que acabou de ser diagnosticada com Parkinson. – conto – Confesso que mexeu um bocadinho comigo, mas isso também faz parte do trabalho, não é? Enfim... Tu vais fazer noite? – pergunto.
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Segundas Oportunidades | André Silva ✔️
Fanfiction«Às vezes, o amor merece uma segunda oportunidade porque o tempo não estava preparado para a primeira oportunidade.» Será que André e Raquel terão uma segunda oportunidade para serem felizes juntos? - 2ª Temporada de "Acasos Felizes" - Data de iníci...