46. Patinagem & Desabafos

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24 de dezembro de 2021

Raquel

Três dias de volta a casa já ajudaram a matar as saudades da antiga vida. Fui visitar o restaurante onde trabalhei, reencontrei-me com alguns colegas de trabalho e de faculdade e ainda aproveitei para passear muito. Estou de férias e sabe-me realmente bem não ter nada para fazer. Tenho aproveitado ao máximo o tempo com a minha família, sobretudo porque tenho pouco tempo aqui, e tenho tentado relaxar ao máximo, também. Ser enfermeira consegue ser bastante stressante e estes dias vão fazer-me mesmo bem para descansar um pouco.

O André chegou ontem ao Porto e o Santiago fez questão de lhe ligar ainda ontem para perguntar se hoje podíamos ir os três à pista de gelo, patinar. Como é óbvio, o André respondeu-lhe que sim e, por isso, vamos os três patinar depois de almoço. Este nosso plano fez-me perder o sono esta noite ou, pelo menos, fez com que me fosse mais difícil adormecer. As coisas entre mim e o André estão muito mais normais e tranquilas desde que admitimos o quanto gostamos um do outro e que não queremos esquecer o passado ou ignorar o que sentimos. Somos mais nós próprios um perto do outro, estamos muito mais confortáveis um com o outro. Contudo, não é isso que me preocupa. Nós vamos agir que nem uma família feliz ao ir passear os três para a pista de gelo, mas nós não o somos. Eu e o André não somos um casal e nós os três não somos uma família. O que é que as outras pessoas podem pensar? E se alguém tira fotos nossas ou alguma revista cor-de-rosa nos vê e decide armar uma qualquer mentira? Nunca antes me preocupei com isto, mas o mediatismo que o André ganhou desde que começou a jogar em Manchester é muito diferente do que aquele que tinha até aqui. Não quero entrar nesses jogos das revistas cor-de-rosa e muito menos quero o Santiago metido nisso. Por isso, estou um pouco assustada com esta nossa ida a público.

Aproveito a manhã para limpar a casa e me abstrair destes pensamentos, porque a verdade é que durante todo este tempo fechado acumulou imenso pó e, até hoje, não tinha tido muito tempo para dedicar a limpá-la. Contudo, arrumar e limpar tem-se revelado uma boa terapia na minha vida adulta e acho que estou a precisar disso, neste momento. Provavelmente, estou só a ser demasiado racional em relação a esta questão e estou a dramatizar um simples passeio, mas não consigo não me preocupar.

Perto da hora de almoço, o André envia-me uma mensagem a informar sobre as horas a que nos virá buscar e a perguntar se estamos bem. Quase que decido libertar os meus pensamentos e desabafar com ele, mas decido não o fazer. Não o quero chatear com as minhas parvoíces.

- Mamã, estou mesmo ansioso por hoje à tarde. – o Santiago revela-me, quando se junta a mim na cozinha para me ajudar a pôr a mesa – Já não estamos assim os três juntos há algum tempo e eu gosto muito de quando fazemos coisas os três. É como se fôssemos uma família, a sério. – as palavras do meu filho despertam a minha ansiedade em relação a um outro assunto que tenho tentado mandar bem para o fundo da minha mente.

Eu sinto que o Santiago está a criar bastantes esperanças sobre mim e o André, enquanto casal. Sinto que ele acredita realmente que nós vamos voltar a estar juntos e que vamos todos construir uma vida juntos. Não é que eu ache que isso não pode acontecer, porque isso é tudo o que quero. Contudo, não há ninguém nem nada que me garanta que as coisas vão correr bem. E se eu e o André percebermos que não funcionamos juntos ou que afinal não queremos estar juntos? Não quero que o Santiago se desiluda, mas não tenho como evitar que ele crie esperanças e expetativas. Só que isto tem-me atormentado e eu tenho tentado ignorar, mas, de cada vez que ele fala sobre como gosta do André, sobre como ele o vê como uma figura paternal ou sobre como quer que sejamos uma família, este assunto volta para me deixar angustiada e preocupada. Quero tanto que isto resulte... Não só por mim e pelo André, mas, sobretudo, pelo Santi.

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