5. Encontro Inesperado

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27 de outubro de 2017

Raquel

As aulas terminaram por hoje e por esta semana, que parecia nunca mais acabar. Começou a época de maior stress e é já na próxima semana a minha primeira frequência. Estou um pouco preocupada e nervosa, porque não sei exatamente o que esperar. A única coisa que sei é que me vou esforçar arduamente para ter a melhor nota possível. Batalhei tanto para chegar aqui que agora não posso deitar tudo a perder. Tenho de me esforçar ao máximo para provar que mereço estar aqui.

Como o Santiago está com os meus pais, eu aproveito para ir tratar de fazer algumas compras para a casa antes de ir jantar com eles. Consegui, finalmente, comprar um carro que, embora usado, funciona na perfeição e me dá muito jeito por causa de todas as deslocações que tenho de fazer – é muito mais prático do que usar transportes públicos para me deslocar para onde preciso. Paro, então, numa superfície comercial a caminho de casa dos meus pais onde vou fazer as minhas compras.

- Raquel? Uau, és mesmo tu? – uma voz masculina surpreende-me quando eu estou na prateleira das bolachas a escolher quais vou levar desta vez. Por momentos, eu fico parada a pensar de onde reconheço esta voz e só depois me viro para perceber quem é – Uau! – ele repete.

No momento em que eu percebo quem é a pessoa que está a falar comigo, eu congelo completamente. Não sei o que dizer ou o que fazer. Sinto todas as partes do meu corpo a tremer e há uma grande quantidade de imagens que aparecem na minha cabeça, fazendo-me reviver momentos que preferia já ter esquecido. De repente, numa fração de segundos, eu volto a ser aquela miúda de dezasseis anos sem amor próprio que não sabia lutar por si mesma e por aquilo que queria, sujeitando-se às vontades dos outros e achando que isso estava bem.

Eu sinto uma enorme vontade de ignorar o ser humano em frente a mim e simplesmente ir embora, mas sinto que sou melhor pessoa do que isso.

- Guilherme... Há quanto tempo. – respondo com um falso tom de simpatia, vazio de entusiasmo.

- Há muito tempo mesmo. – ele sorri e eu confesso que me sinto um pouco enjoada com toda a simpatia que ele insiste em transmitir – Como é que estás?

- Com pressa. – respondo.

- Oh vá lá, não tens tempo para um cafezinho? Para pormos a conversa em dia. – ele sugere e eu reviro os olhos. Que raiva.

- Não tenho tempo nem interesse. – esclareço.

- Raquel, não me digas que te transformaste num cubo de gelo... Costumavas ser mais simpática. – o tom do Guilherme parece de perfeito gozo e eu começo a ficar tão irritada que só me apetece espancá-lo.

- Ainda bem que mudei, sinceramente. Já não me deixo enganar por otários como tu. – atiro, continuando a fazer as minhas compras mas sendo, insistentemente, seguida pelo idiota do Guilherme.

- Por favor, Raquel, não me digas que continuas a guardar rancor do que se passou há... quê? Cinco anos? Não te tomava por uma pessoa rancorosa. – o Guilherme diz e as suas palavras são a última gota, premindo completamente o gatilho que eu estava a tentar manter seguro até agora.

- Então tu achas que eu não tenho motivos para guardar rancor, Guilherme?! Tu sabes que eu tive aquele bebé, não sabes? Sabes que, quando me abandonaste, eu criei aquele miúdo sozinho? E sabes que mais? Não precisei de ti para nada, fiz um trabalho incrível. Criei um miúdo espetacular que, certamente, não tem nada a ver contigo nem nunca terá. Não precisei de ti nunca, nem nos piores momentos, por isso não preciso ti agora. Não quero café nenhum, quero que desapareças da minha frente e nunca mais voltes a aparecer! – exclamo – Tu tiraste muita coisa daquela rapariguinha ingénua de 16 anos, mas não vais tirar nada da mulher que eu sou hoje. Por isso, o meu conselho é que te vás embora antes que a minha mão tenha um acidente com a tua cara.

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