Você não devia minimizar seus sentimentos

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Me esforço pra acordar cedo. Tomo banho, tento não pensar em ontem mas é tudo que vem à casa. Olho pelo espelho e a marca no meu pescoço está visível então engulo em seco várias vezes. Repito pra mim mesmo que não vou chorar. Mal olho em seus olhos quando nos esbarramos vez ou outra pela casa, mas posso sentir que está confuso.

Não estou com raiva dele, Josh nem deve saber o que está acontecendo. Eu queria poder explicar mas o assunto é bem sério e não pode vir numa simples conversa costumeira. Eu também sofro por fazê-lo sofrer.

Termino de me arrumar, nem tomo café da manhã e, mesmo sem olhar em seus olhos azuis sôfregos, me despeço em alto e bom som. Ele retribui, mas não na mesma intensidade nas cordas vocais.

Saio do apartamento e desço as escadas que parecem não ter fim hoje. Sou atingindo pelo sol forte, o barulho de uma metrópole e esse vento que me faz bem. Eu estava mesmo precisando de ar, algo que enchesse meus pulmões de vida.

Não queria ter que pensar nesse tipo de coisa, não ainda. Cara, eu só tenho dezoito anos e já tenho que lidar com problemas que, normalmente, as pessoas enfrentam aos trinta. Não deixo de pensar e repensar sobre o que será de nós, eu e Josh. Eu gosto dele, mas não sei se conseguiria ficar com ele sem pensar em um trauma que adquiri a anos atrás.

Até teve uma vez, no Canadá, que eu comsumi bebidas alcoólicas e tive de coragem de tentar algo a mais com ele e, claro, como o moço politicamente correto que ele é, não quis fazer algo comigo enquanto eu estava bêbado. Ele é um anjo, se fosse qualquer outro teria se aproveitado na primeira oportunidade se sentisse o que ele sente por mim. Será que um dia encontrarei alguém melhor que o moreno de olhos azuis?

Caminho rápido pelas ruas. Há algumas palmeiras dançando freneticamente, chacoalhadas pelo vento forte. Pego meu celular e checo a caixa de mensagens, à procura de uma resposta da Diarra pro torpedo que lhe enviei mais cedo, encontro. Está escrito para nos encontrarmos numa praça perto da escola, eu assinto e mudo meu caminho.

Hoje não irei à escola, sairei com Diarra pra dar uma volta. Preciso conversar, extravasar, por tudo pra fora como se fosse um vômito. Sim, praticarei uma bulimia de sentimentos.

Não tardo a chegar no local indicado, abraço Diarra bem forte quando a vejo. Ela nem pergunta o que aconteceu, está acostumada em ter que atender aos meus pedidos urgentes por socorro. Seguimos a um banco qualquer, deitei na perna dela e senti suas mãos acariciar meu cabelo. Estou me segurando pra não chorar.

- Ele fez isso comigo - começo, apontando para meu pescoço.

Diarra fica alguns segundos olhando pra algum lugar aleatório antes de falar algo.

- Ele tentou agarrar você à força? Tipo, com violência e tudo mais? - Diarra mantém a voz calma, sabe que se ela se desesperar eu faço o mesmo.

- Não exatamente - conto, tento achar as palavras certas em minha cabeça conturbada. - Ele apenas quis chupar meu pescoço mas eu não deixei, então ele insistiu um pouco mais e, como você viu, até conseguiu mas não foi usando violência.

- Você sabe que não precisa esconder esse tipo de coisa de mim, né? Não estou aqui para julgar nada - Diarra diz, mal ela sabe que é a pessoa que mais confio no mundo.

- Você sabe que ele nunca me faria mal, fisicamente, eu é que sou... Dramático demais - afirmo, até que faz sentido.

- Você não devia minimizar seus sentimentos - a morena aperta minhas bochechas de uma forma violenta. - O que aconteceu com você foi grave e não dar atenção a isso seria desumano.

Já faz tanto tempo, eu nem devia me lembrar mais disso. Muito menos sofrer. Mas é incômodo, às vezes não me deixa dormir a noite. Apesar de saber que Josh não ficaria louco ao ponto de me molestar, tenho muito medo de que aconteça de novo.

- Você acha que devo me mudar pra Alemanha? - pergunto, pois faz tempo que isso está na minha cabeça.

- Você sabe muito bem que não gosto de opinar quanto a isso - diz. Já perdi a conta de quantas já ouvi isso.

- Você acha que devo continuar com Josh? - me levanto e sento, olhando em seus olhos.

- Noah, isso é a mesma pergunta porém de um ponto de vista diferente - afirma.

- Eu quero morrer - fazer drama é tão essencial quanto respirar. - Por que eu não posso ser um garoto normal quanto a isso? O que eu fiz pra estar nesse dilema interminável? Só quero um amor normal!

- Você devia gritar - me diz, eu franzo as sobrancelhas.

- No que isso me ajudaria? - pergunto.

- Grite e descubra - Diarra deve ter bebido, não tem outra explicação. - Você precisa extravasar... Jogar tudo pra fora mas sem dizer uma única palavra.

- Precisa ser algo do tipo "Quero voltar no tempo e nunca ter nascido" ou apenas um "A" contínuo? - forço um sorriso.

- O que preferir - diz, serena.

Nem sei porque vou fazer isso mas, se Diarra falou, vou atender com gosto. Diarra é o melhor pra mim. Preparo minha garganta e solto um grito que nem eu sabia que podia ser tão alto. Talvez fosse o que eu precisava, e se foi tão forte, é porque algo dentro de mim queria sair. Nem me importei com olhares de estranhos achando que eu era louco ou algo do tipo. Eu apenas pratiquei minha bulimia de sentimentos e estou feliz.

Flowers & Ice Cream   ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora