Bianca sentia que não tinha como os pés doerem mais do que estavam há cinco quilômetros atrás, mas não podia parar.
Não quando finalmente podia avistar uma casa grande ao longe.
— E se for só uma miragem? — Perguntou Marcela ajeitando a sua trouxa de roupas acima da cabeça de forma que aliviasse o peso e, ao mesmo tempo, protegesse do sol.
Eram dias caminhando com os raios impiedosos sobre a cabeça e, provavelmente, já não tinha muito mais o que proteger em relação a sua pele, mas ainda sim a pobre loira continuava tentando, como se fosse sua forma de se manter sã em meio aquilo que parecia uma peregrinação sem fim.
Bianca era diferente.
Há pelo menos 28 horas não se apegava mais aos detalhes supérfluos.
Do que adiantava impedir que o rosto ficasse vermelho?
Isso evitava apenas que quando seu corpo fosse encontrado naquela terra rachada não assustasse tanto ao que a encontrasse.
Somente.
Não se importava com aquilo quando o único pensamento em sua mente era a morte por cansaço, falta de comida, água ou insolação.
Porque chegaria se nada do que estivesse vendo fosse real.
Mas assim preferia morrer.
Melhor daquela forma do que a pauladas da mãe só por, como sua irmã mais velha, ser quem era.
Dupla infelicidade para a intransigente Monica Andrade?!
Duas filhas lésbicas? Era melhor que tivessem morrido de desnutrição devido às inúmeras restrições alimentares causadas pela miséria do berço em que nasceram.
Filha de uma mulher que realizava serviços obscuros em troca de algumas cédulas as duas passaram boa parte da vida escolhendo que refeição iriam comer no dia.
E mesmo assim, segundo a mãe, não aprenderam a se comportar como gente!
Para Mônica eram duas aberrações que não deveriam ter visto a luz da vida.
E de tanto fazê-las sentir assim houve o dia que decidiram pegar carona com o primeiro caminhoneiro que viram na estrada.
Por sorte se depararam com um homem de meia idade muito simpático chamado Babu que ofereceu a elas uma viagem e algumas refeições até que chegassem a Amaeté, cidade vizinha a Santo Antônio Escondido.
Pensaram em tentar se firmar por ali, entretanto, não havia qualquer trabalho que pudessem desempenhar por ali.
Acostumadas a lidar com o campo, com os animais e afazeres da casa tudo o que podiam realizar eram serviços em fazendas.
Nada como consertar coisas ou atender pessoas.
Dessa maneira, e sem ter como se locomover de outra forma, decidiram ir a pé dali até Santo Antônio Escondido, lugar onde foram informadas que conseguiriam um emprego digno que garantiria ao menos as três refeições.
Só não sabiam que precisariam caminhar tanto.
Foi quase uma semana entre caminhadas de longas horas e pequenos descansos que consistiam em uma acordada enquanto a outra vigiava para que nada acontecesse as duas.
Até tentaram caronas pela segunda vez, mas pelo mesmo motivo do raio não cair duas vezes no mesmo lugar não conseguiram.
Esse era o tipo de coisa que não acontecia duas vezes na vida e se ocorresse seria letal.
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O rugido da leoa
FanficPara viver em Santo Antônio Escondido não é necessário muita coisa. Basta que goste do clima campestre, de moda de viola e, sobretudo, entenda que nesse espaço distinto do mundo os conflitos se resolvem na ponta de uma bala, ou de uma faca se é o qu...