Capítulo 59 - O sangue

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Meses antes...

A chuva do lado de fora do casebre miserável ameaçava fazer cair o teto sobre as duas mulheres que estavam a centímetros uma da outra.

— Não cederei a você — Bianca adiantou encarando Mônica sem desviar os olhos dos orbes castanhos flamejantes.

— Você não tem escolha. É um chamado do sangue. É parte de quem nós somos — A mãe insistiu sem vacilar na voz diante da menina que teria que se obrigar a se tornar mulher, não poderia ser diferente.

— Não há nós, nunca houve. Sempre fui eu e Marcela, ela sim é o único sangue que eu reconheço — A mulher riu diabolicamente passando um dedo sobre a bochecha macia de sua filha, tão doce, ingênua e só por essa razão ponderou sobre se revelaria a verdade dolorosa. E terminou por decidir que sim. Era a maneira de que Bianca entendesse o porque o seu destino estava marcado com sangue e glória e não sua irmã.

— Não há como reconhecer o que inexiste. O sangue que corre em suas veias não é o que corre no de sua Marcela — A progenitora falou sem um pingo de remorso em suas palavras.

Do lado de fora daquele lugar a qual Bianca viveu por todos os seus anos de vida um trovão se manifestou impondo seu som grotesco a ponto de quase ferir os tímpanos. Fora perto, muito perto, mais ainda sim não era o maior terror de Bianca Andrade.

— Você está mentindo! Está dizendo isso para me atingir já que estou expressamente me negando a fazer o que você acha que eu tenho — A Andrade menor disse segurando o centro de seu abdômen, uma dor aguda começava a forçar contra suas entranhas, mas não fraquejaria. Soergueu os olhos e com a mão livre retirou a de Mônica de sua pele — Diga que está mentindo. Agora! — Demandou começando a duvidar no olhar que não deixava o seu.

Sabia que Mônica Andrade era dissimulada e dizia inverdades com a facilidade que respirava, mas por um maldito momento encontrou naqueles olhos uma amarga percepção: Pela primeira vez na vida parecia haver verdade, uma que a Andrade mais velha se deliciava em esfregar contra face de sua filha.

— Você pode não acreditar em mim e seria inteligente não fazê-lo, afinal, eu sempre fui a pessoa que mais mentiu para você a maior parte da sua vida. Te incentivei as piores coisas, te submeti ao mais obscuro, mas não desconsidere a verdade dos fatos. Use a lógica Bianca! Porque eu escolheria você e não ela para assumir nosso legado? Ela seria a mais velha das filhas, e portanto, a indicada independente de minha preferência! E você sabe o quão fiel eu sou a nossas raizes antes de qualquer coisa! Mas não pode ser Marcela, não pode porque ela não é uma de nós! Ela sequer parece em nada conosco nem em aparência ou jeito! — A dor se tornou ainda mais insuportável e a menor era quase impedida de respirar quando as engrenagens em sua cabeça começavam a funcionar.

Pensou no olhar doce quase claro de sua irmã que contrastava tanto com o seu que era negro e incisivo. Comparou os cabelos, os trejeitos, tudo...

Deu três passos atrás e encontrou a parede molhada atrás de si.

— Não é... — Gritou alto como um animal ferido contra a face da mulher que deu os mesmos três passos à frente ficando face a face com Bianca que estava encurralada em todos os níveis —...Verdade! — Essa parte saiu fina e quase inaudível.

— Eu roubei sua irmã. A levei dos pais quando ainda era só uma criancinha. Eu precisava levar alguma coisa embora comigo. Algo que matasse aqueles inúteis por dentro e escolhi o bem mais precioso! Marina McGowan sempre foi uma criança adorável, não foi difícil trazê-la para mim! Se quiser, e puder ouvir, eu te conto parte por parte da história. Com riqueza de detalhes... — A mulher sugeriu com um sorriso de canto assustador para a filha que batalhava para continuar respirando.

O rugido da leoa Onde histórias criam vida. Descubra agora