O espelho refletia uma imagem que não condizia com a realidade.
Para Rafa, a mulher bonita de rosto alinhado e fino nada tinha a ver com as coisas tão feias que carregava no peito.
Desamor.
Incapacidade.
Havia acabado de deixar uma mulher grávida gemendo de dor num quarto e não tinha forças para voltar.
— Você é fraca Rafaella — Afirmou para si mesma e com raiva quase quebrou o espelho a sua frente. No entanto, o desconforto em seu âmago impediu que fizesse qualquer outra coisa que não fosse procurar o vaso sanitário e se encurvar diante dele para derramar o conteúdo que tinha em seu estômago em duas golfadas que ardiam ao sair de si.
A meio caminho do ato sentiu mãos pequenas suspenderem-lhe os cabelos.
Um toque calmo e diferente que acarinhou sua nuca num resvalar rápido para que seu cabelo se afastasse do rosto que encontrava o recipiente esférico.
Rafa passou as costas das mãos nos lábios e olhou para cima assim que não havia mais nada dentro de si.
Parada bem embaixo da luz fraca do banheiro estava Bianca Andrade a fitando com seus olhos de águia.
Atentos, diretos e cuidadosos.
Mas não se achava digna de um único sinal de empatia. E foi por isso que se adiantou em ficar de pé de uma vez, fugindo do contato com os olhos afáveis.
— O que faz aqui? — Rafa perguntou cuidando seu tom para que parecesse minimamente normal, muito embora, pelas condições que foi encontrada, pensasse que Bianca não poderia vê-la assim.
— Gizelly pediu que eu viesse enquanto ela entrava no quarto com Marcela — Explicou Bianca com um tom brando nas palavras, ainda sentindo nos dedos a vazia maciez dos cabelos loiros.
— E a quanto tempo está aí? — Rafa indagou pedindo a qualquer coisa divina com quem já havia brigado ao longo dos anos que ao menos uma vez se provasse efetivo em sua existência e a livrasse do constrangimento que significaria Bianca flagra-la brigando com sua imagem.
— Cheguei quando você estava colocando tudo para fora — A morena mentiu desviando o olhar para Rafaella que jogava água contra seus lábios.
Por uma parte porque queria conceder a privacidade que não tinha quando entrou pela porta aberta e a tocou pelos cabelos.
Pela outra porque se aquela pergunta veio era porque a patroa odiaria saber o que ela tinha visto.
E quis proteger Rafaella de sua tola vergonha.
Tola, na concepção de Bianca, porque era justamente o que fazia todas as ações de Rafa terem algum sentido.
Os sorrisos interrompidos, as grosseiras fora de lugar...
Bianca não sabia pelo que, mas tinha certeza que o coração de Rafa era atormentado por algo muito ruim.
E sentiu uma dor quase física só de imaginar o quão doloroso precisava ser algo para devastar uma mulher tão grande.
Você é fraca Rafaella.
Bianca repetiu em sua mente. E nela mesma se permitiu entristecer.
Queria dizer algo carinhoso, algo que a fizesse sentir melhor, mas não foi rápida o suficiente, pois um grito muito mais rápido rasgou no casebre e todos os seus pelos se eriçaram.
Olhou diretamente para os olhos de Rafaella.
O medo correndo em seu ser.
Dentro do quarto Gabriela permanecia em seu sofrimento.
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O rugido da leoa
Fiksi PenggemarPara viver em Santo Antônio Escondido não é necessário muita coisa. Basta que goste do clima campestre, de moda de viola e, sobretudo, entenda que nesse espaço distinto do mundo os conflitos se resolvem na ponta de uma bala, ou de uma faca se é o qu...