Capítulo 43

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            Vítor Hugo

      Depois do abraço andamos lado à lado pela calçada sem dizer uma única palavra. Achei que já havia chorado tudo o que tinha na saída da delegacia. O delegado pegou pesado comigo e me deu um sermão igual ao que meu pai fez quando soube que eu era bissexual.

      Meu medo era não conseguir ir além, não dizer tudo o que precisava ter dito. Felizmente fiz o que precisava. Não escondi nada. Minha vida se abriu como um livro.

      Daniel me deu todo apoio para não fraquejar e prometeu me ajudar até o fim. Era um cara incrível e de princípios e um modelo a ser seguido.

      Nosso silêncio não me incomodava nem um pouco, na verdade eu estava agradecido por Danny respeitar minha necessidade de ficar calado até que eu me sentisse capaz de dizer alguma coisa.

      Eu precisava de tempo, desta coisa tão importante que sempre vemos passando diante de nós e que sempre escapa pelas nossas mãos, numa marcha irreversível. Sem volta.

      Eu só conseguia olhar pra frente e as luzes dos postes e lojas confundiam meus sentidos, com uma mistura de sensações se instalando em meu peito. Era estranho. Eu devia me sentir leve, e não naquele estado melancólico.

      Algumas poucas pessoas caminhavam pela praça. Moças com calças legging e tênis esportivos corriam com cronômetros acoplados nos pulsos em meio a casais de idosos, rapazes, moças e crianças. Gente comum, feliz, seguindo o ritmo natural da vida. Num dos bancos um grupo de adolescentes contavam histórias e riam destas e essa imagem tão banal me fez voltar há dois anos.

      Depois da aula no Colégio, Micaela e eu nos sentávamos num dos bancos da praça Tiradentes com nossos amigos e provocavámos as pessoas que passavam. Eu era o palhaço da galera, aquele que fazia todo mundo rir, que saltava e girava pirouettes na praça sem estar nem aí pra vida. Eu não me escondia, porque a vida era boa e podia ser feliz, se sorrissemos pra ela. 

      Me sentei num dos bancos e Danielle fez o mesmo. Ficamos em cantos opostos, calados. Levantei os olhos para o céu e admirei uma lua prateada, linda. Era engraçado, mas a lua me fazia lembrar a cor da pele da Danny. Tão branca, tão linda e viva, e com o mesmo poder de criar ondas furiosas no mar.

      Suspirei profundamente, buscando não sei de onde palavras pra começar a falar, e inevitavelmente senti o perfume da bailarina, uma gostosa essência de sândalo.

      Fechei os olhos por um breve momento e aspirei o ar fresco da noite. Meu tempo de ficar quieto tinha acabado. Uma coisa muito forte dentro de mim me impulsionava a falar, a dividir com a garota por quem eu estava apaixonado todos os detalhes da denúncia que fiz.

      — Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida — eu disse por fim. — Eu contei tudo... até os detalhes das minhas transas com o Beto… O delegado foi duro comigo. Quem ele pensa que é? O meu pai? Mas agora acabou.

      Abaixei a cabeça. Então, minha mão recebeu o toque delicado da mão da Danny, e vi dois olhos cintilantes me fitando e um meio sorriso em seu rosto. Seu olhar era o mesmo de sempre, cheio de doçura e com aquela pequena sombra de tristeza, que lhe dava um ar de mistério que me prendia mais a ela.

      Nunca me interessei de verdade pela história de uma pessoa, nunca quis conhecer a história de alguém, e no entanto, conhecer a vida daquela garota passou a ser tudo pra mim. O que ela gostava de fazer quando era garotinha, quais eram seus medos, como era sua família romena? A vida dela era um conto de fadas, e ela uma princesa. Não uma princesa ingênua e delicada, mas uma princesa guerreira que nunca desanimava, perseverante, que venceu o câncer e sentia falta da mãe.

      Percebi entre tantas coisas que eu fui um completo imbecil por não me inspirar em histórias de lutas e ter seguido um caminho de dor. Tantos conseguem vencer... Por que eu não acreditei em mim? Por que deixei um monstro entrar na minha vida e me corromper?

      Eu não merecia que ela me desse a dádiva daquele olhar puro. Vendo aqueles olhos azuis tão lindos fixos em mim, me sorrindo, dizendo em sua linguagem muda, porém direta, que fiz o que precisava, fez eu me sentir leve. E mal, ao mesmo tempo.

      Deus, que eu sei que não existe, tire esse sentimento de mim ou arranque meu coração do peito.

      Ela me deu seu lindo sorriso, tão infantil, deixando à mostra o aparelho de dente na parte de cima e de baixo, com pedrinhas azuis e elásticos. Um sorriso cheio de compreensão, de ternura e bondade.

      — Eu sempre soube que você faria isso — a bailarina diz. — Não deixei de acreditar um único momento que você detonaria aquele cara.

      Acenei a cabeça positivamente.

      — Eu não iria conseguir se você não tivesse acreditado em mim — reconheci com sinceridade —, e se o seu pai e o Anthony não tivessem estado do meu lado.

DanielleTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon