Vítor Hugo
Tomei mais um gole de água enquanto eu olhava para o casal de bailarinos ensaiando no meio da sala. Amassei a garrafa sem fazer a menor questão de evitar um resmungo.
Tudo bem que Danielle e Angel eram amigos, tudo bem que ele não gostava de moças, mas o cara estava tocando no corpo da garota com quem eu tinha acabado de ficar. Droga! Eles pareciam namorados.
Fechei os olhos pra tentar me acalmar, mentalizei coisas aleatórias, mas não adiantou. A voz do professor Faustino me irritava, era rouca, cavernosa, me lembrava a do padre da paróquia onde meu pai tocava violão, e que prestou um grande favor me convencendo que Deus não existe, ao dizer numa homilia que homossexuais são grandes pecadores.
Eu tinha razões para estar quente por dentro como um vulcão. Minha vontade era sair da sala. Eu não era obrigado a ver uma coisa que parecia uma provocação daqueles dois.
Reprimi esse impulso no mesmo instante ao me dar conta que eu estava sendo ridículo ao me comportar como um homem que sentia ciúmes.
Ciúmes!
Que bobagem.
Danielle fez um plié, abriu quarta posição e girou pirouettes, com o Angel girando-a pela cintura. Ela se adiantou executando um petiné (quando a bailarina dá uma série de “batidinhas” no chão na ponta das sapatilhas), fazendo port de bras, e num instante, estava sentada em atittude, com os braços em quinta posição, no ombro direito do garoto.
O ensaio dos estava sendo ótimo. Eles tinham técnica, musicalidade. Tudo. Claro, eles dançavam juntos há muito tempo e eram partners no estúdio Letícia Ballet. Claro que existia uma confiança recíproca.
Angel a desceu do ombro segurando-a firmemente pela cintura e ela ficou suspensa em posição de pescado.
— Muito bom, meninos — Faustino reconheceu.
Fui o único a não bater palmas, e a Danny se ressentiu, me olhando com aqueles olhos azuis e doces como quem pergunta não foi bom, né?
Tomei a Micaela pela mão, levei-a até o centro da sala junto com outros cinco pares de bailarinos, e aproveitando que Danielle e Angel passavam por nós, empurrei o bailarino de cabelo louro com o ombro. Ele perdeu o equilíbrio, porém se segurou.
— O que é isso? Você tá louco, cara? — o bailarino cresceu pra mim. Que divertido.
— Foi sem querer — dei de ombros desdenhosamente.
— Vítor Hugo, tem algum problema com você? — a voz da Danny era enérgica.
Micaela, um pouco à minha frente, me encarava com incredulidade e balançando a cabeça levemente em negação.
Não demorou mais que trinta segundos pra eu me tocar que meu comportamento era infantil e ridículo.
Olhei de novo para a Danielle, fechei os olhos, suspirei alto. Felizmente mais ninguém percebeu o acontecido, já que o professor Faustino estava no canto dando dicas a dois pares de bailarinos.
— Não. Nenhum — fugi ao olhar indignado da loura.
— Não vai pedir desculpa pro Angel?
— Já disse que foi sem querer — cortei a conversa com raiva.
Andei pra perto da Micaela, pouco me lixando para o que a Danny ou o Angel estavam pensando. Eu não era de pedir desculpas depois de fazer algo.
— Pronto? — minha parceira me deu um sorriso divertido, obviamente gostando do clima chato instalado entre a Danielle e eu.
Balancei a cabeça em afirmação.
— Claro — respondi.
Várias vezes olhei furtivamente para a expressão facial da Danielle. Ela não estava nem aí pra nós dois ou pra qualquer outra coisa além do iPhone que estava teclando enquanto conversava com a gracinha Nicole, a libanesa de olhos bicolores, e com a Tânia e a Daisy.
Eu odiava não ser notado.
E estava odiando ainda mais aquela estranha sensação de insegurança que eu não sabia explicar.
— Se concentra — Micaela me pediu entredentes —, ou você vai me derrubar de lá de cima e me machucar.
A morena tinha razão. Era a parte final da aula, tudo tinha corrido bem até ali, sem nenhuma parada pra correções.
Teoria e prática são diferentes, porém. Por mais que eu estivesse curtindo dançar com minha partner e amiga, que tudo estivesse fluindo legal, eu só tinha olhos para a Danielle.
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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...