Danielle
Quando uma oportunidade inesperada surge, temos que agarrá-la com todas as forças pra que ela não escape. Interpretar a princesa Odette não é só uma honra máxima, mas uma grande responsabilidade, e como fui escolhida para dançar esse papel no lugar da Duda, eu tinha que dar meu máximo.
À medida que Vítor Hugo e eu nos conectávamos mais aos nossos personagens e perdíamos nossas identidades, eu acreditava que sim, que podíamos brilhar e que não tínhamos limites.
Ele me dava coragem e tranquilidade, e quando sinais de cansaço e fraqueza surgiam em seu rosto, eu o encorajava com palavras de incentivo.
Os ensaios saíram bons. Ao final detes, sorrisos brincavam em nossos rostos, e até Carlos Amaral, habitualmente sério e bravo, tinha vislumbres de aprovação nos olhos encimados por sobrancelhas grossas e escuras. Monocelha era mais apropriado.
— Ela é uma jóia, Vítor Hugo — Carlos lembrou meu partner enquanto ele andava me segurando em seu ombro, meus braços em terceira posição. — Uma jóia delicada, rara, uma princesa por quem o príncipe jurou amor eterno, não importa o que aconteça.
Os poros da minha pele branca, quase translúcida, liberavam suor misturado com minha obsessão inata de sempre dar meu melhor. Eu estava segura, me sentia plena, leve e a segurança que Vítor Hugo me passou durante aquelas horas exaustivas de ensaios foi meu pilar, meu chão. Era como se aquele papel fôsse meu desde sempre e mais nada pudesse tirá-lo de mim.
Pouco me importava o tempo da música. Pouco me importava as instruções que o coreógrafo me dava quanto aos braços que às vezes adiantavam ou atrasavam.
Meu momento tinha chegado. Era minha vez de brilhar.
Vítor Hugo superou logo seus medos. Repetimos muitas vezes a parte da elevação com a queda em rolamento. Ensaiamos com o restante do elenco, posamos para fotos oficiais da Promoarte.
Quanto ao meu antigo papel, foi dado para a Antonella. Achei justo. Ela era uma ótima dançarina, o que não queria dizer que fiquei sua fã. Pelo menos a argentina se comportou nos ensaios. Nem tanto, pra ser sincera. Ela continuou me secando, dando aqueles sorrisinhos maliciosos cheios de segundas intenções que mexiam comigo. Mas meu coração era todo do Vítor Hugo.
No ensaio do último ato, meu partner me abraçou por trás pela cintura. Toda a beleza e simplicidade do casal apaixonado aflorou no instante em que minhas mãos tocaram as dele e eu senti o calor de sua pele.
Me virei pra ele, o olhei com desejo. Resisti ao ímpeto de lhe furtar um beijo, me mantendo fiel à coreografia, mas meus lábios tremiam de desejo de ser beijada pelo bailarino.
Ao me virar para o lado por causa da porta fechada com um estrondo, vi o semblante sombrio da Duda, vindo mancando em nossa direção. Uma bota imobilizadora fôra posta em seu pé direito.
— Duda… — minha voz parecia um sussurro.
Carlos Amaral fez sinal ao pianista para que interrompesse a música.
— Ainda estamos ensaiando — ele a avisou.
— Por que ela está dançando meu papel? — a primeira bailarina intercalou olhares entre Carlos Amaral e eu.
— Você foi cortada do espetáculo. Alguém teria que te substituir — o diretor a lembrou.
— Tá, mas por que a Danny? — Duda insistiu.
— Por quê? — Carlos fez uma carranca debochada. — Porque eu acho que ela é a melhor bailarina para substituí-la. Ela é ousada, forte, leve e corajosa, e tem o ar de inocência da Odette.
Duda meneou a cabeça em negação, não acreditando no que estava acontecendo.
— Por quê? — agora ela se dirigia a mim. — Por que no final tudo dá certo pra você, Danny?
Suspirei, abrindo e fechando os olhos, pensando se eu tinha ou não de responder.
— Eu não sei. Acho que deve ser porque a vida, que todo mundo diz que é injusta, pode ser generosa às vezes… e sempre sorri para quem sorri para ela.
Minha amiga riu com desprezo.
— Você se acha, garota. Mas não passa de uma substituta. Só vai dançar o meu papel porque eu me machuquei.
— Duda — Carlos interveio —, saia. Ainda estamos trabalhando aqui.
— Com tanta bailarina melhor que a Danielle, e você escolhe justo a garota que quer tirar tudo o que eu conquistei?
— Escute aqui, Duda. Já que você acha que a Danielle não passa de uma substituta, então vou te contar um segredo: eu estava decidido a dar o papel para a Danny. Mas aí ela discutiu com a Antonella, perdeu a cabeça, e eu achei que ela não tinha preparo emocional para dançar um papel tão importante. Então, o dei à você. Como você e o Vítor Hugo criaram uma conexão harmoniosa, e por causa da proximidade do espetáculo, resolvi mantê-los como bailarinos principais, embora você NUNCA tenha me convencido totalmente. Mas não era justo com você substituí-la de última hora. O seu acidente, embora não tenha sido desejado por ninguém, me deu a chance de corrigir uma injustiça, e o papel da princesa Odette voltou para a bailarina que sempre o mereceu. A Danielle.
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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...