Danielle
Fiquei tão entretida com as pequenas, que nem me dei conta que as apresentações haviam começado. A professora Vanessa me agradeceu, dizendo que eu era uma moça muito prestativa e educada, e que as meninas gostaram de mim.
— Eu podia ficar o dia inteiro com elas — me derreti. — São muito fofas.
— São mesmo. Tenho muito orgulho delas. Elas são umas pestinhas às vezes, mas você as cativou. E não só me ajudou a maquiá-las e a fazer os coques, como também as aqueceu e as tranquilizou. Não tenho palavras para te agradecer, Danny.
— Não precisa agradecer. Gosto de ajudar, e além disso, adoro crianças.
Vanessa me pediu para conhecer seu estúdio, caso eu tivesse oportunidade de viajar para São José dos Campos, frisando que as gurias, principalmente Gabriela e Camila, iriam adorar.
— Eu prometo.
Assim que a professora e sua pequena companhia se afastaram com muitos tchaus e beijos, me levantei e sacudi a poeira da minha calça de moletom. Minha variação de Paquita seria a última da noite, e nem sempre isso é legal para uma bailarina. A gente pode se dispersar, e os músculos esfriam, nos expondo à riscos de lesões.
Tive um ano muito difícil. Uma lesão chata no músculo do meu glúteo direito, faltando um mês para a disputa do título de Primeira Bailarina Fantini Júnior, quase impediu que eu participasse da competição. Felizmente, me recuperei à tempo e obtive o tão sonhado título, ganhando o status de estrela da marca de artigos de balé.
Foi meu presente de aniversário antecipado. Por eu dançar representando a marca, não preciso gastar com collants, meias calça, e além disso, passei a ganhar um par de sapatilhas de ponta por mês, o que aliviou um pouco o bolso do meu pai.
Como conquistei o título de primeira bailarina Fantini, abdiquei de participar da competição da Promoarte. A Letícia queria evitar uma rivalidade entre três de suas bailarinas e só a Duda disputou o título mais importante do balé paulista contra a Nicole, que defendia o título. Duda venceu com uma nota quase perfeita, e minha amiga de olhos bicolores ficou super chateada.
Quando a gente disputava títulos, só usávamos collants, meia calça e sapatilhas. Nem calcinhas podíamos usar. Um ano antes de concorrer com a Duda, a Nicole ficou nervosa e fez xixi no collant, tendo uma crise convulsiva de choro.
— Eu não vou conseguir, Danny...! — ela gritou levando as mãos à cabeça, a poça de xixi no chão.
— Vai sim, garota — dei vários tapas no rosto da turquinha, a fim de fazê-la se acalmar. — Você treinou muito. Claro que vai.
Nesse dia descobri que podia ter uma carreira de psicóloga a posteriori, quando parasse de dançar. Dei um abraço forte na minha amiga, falei coisas que a gente sempre diz quando uma pessoa de quem a gente gosta está aflita, e aos poucos ela se acalmou.
Sem tempo de trocar de collant e faltando apenas uma candidata antes dela se apresentar, a bailarina de olhos bicolores foi ao palco e arrasou, se sagrando vencedora naquele ano.
Já no ano seguinte, a Duda decidiu mostrar porque era uma aposta pessoal da Tânia Dressler. A diretora artística queria uma bailarina negra como estrela da Promoarte. Duda não deu chances à Nicole ou à qualquer outra participante.
Ela se aproximou da Nicole, que estava emburrada num canto.
— Se você tivesse feito xixi, talvez tivesse vencido de novo.
Nicole ficou tão chateada com a petulância da Duda que as duas ficaram um tempão sem se falar. Felizmente, a Duda reconheceu que havia sido infeliz com suas palavras e bastou um pedido de desculpas dela para que as duas ficassem amigas de novo.
Passei por trás da cortina, do lado oposto ao que os alunos estavam, para poder ver as primeiras apresentações. Sem ninguém por perto. Não queria conversar. Mesmo com a escuridão do backstage, distingui as silhuetas de Vítor Hugo, Léo, Miyuki e outros dos quais ainda não havia decorado os nomes.
Cruzei os braços e vi uma moça ter seu nome anunciado. Ela dançou Paquita, a mesma coreografia que eu dançaria depois. Não gosto de ver defeito nas pessoas, acho chato, mas a garota foi burocrática. Num dos atittudes, o pé não esticou totalmente, e os jurados não deixam escapar despercebido esse tipo de erro.
E que jurados! Dois deles eram ex- bailarinos do Theatro Municipal de São Paulo, uma era a professora e maitreu da Companhia Paulistana de Dança, onde meu pai era Primeiro Bailarino, e duas eram membros do corpo docente do Teatro Marina Peixoto.
Dançar diante de conhecedores da dança clássica sempre me dava nervosismo, mas eu queria brilhar. Eu queria começar o ano de forma diferente, com uma apresentação linda, mesmo que não desse para conquistar o primeiro lugar. Mesmo que não desse para conquistar nem segundo, nem terceiro. Pra mim, só importava ser feliz por uma noite.
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Danielle
Roman d'amourPara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...