Capítulo 39

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          Vítor Hugo

      Se todos os professores da Promoarte SP fossem rigorosos como o Daniel Răducan, eu estava perdido. O pai da “bailarina de pernas compridas” meio que me deu uma aula especial, puxada, se abstendo de meios termos ao dizer que meu corpo saia do eixo quando um dos meus ombros se levantava mais que o outro. 

      Num dos meus coupés em meia ponta, o cara veio lá do centro em minha direção, me dando um tapa na barriga. Por muito pouco não cai.

      “Fica reto. Não desmonta. Sem força de costas, não dá pra girar pirouette."

      Obviamente ele deu atenção a quase todos os cursistas, inclusive à filhinha linda, mas eu fui o mais cobrado.

      Não tô nem aí pra o que os outros sentem quando um professor corrige. Eu, em particular, perco a concentração. Fico naquela de que não importa se eu fizer um tendu en face, o cara vai vir e dizer que não está certo. 

      Foram as duas horas de aula mais exaustivas pelas quais passei. Por todo o chão de linóleo tinha poças de suor, derramado pelos dançarinos que deram tudo de si.

      Nos sentamos em formação circular no piso flutuante, conforme Daniel pedira. Ele não era muito de falar. Nas poucas vezes em que o vi conversando com a Danny, os lábios dele mal se mexiam, e o rosto dele era sempre introspectivo. Danny era quieta com motivo.

      A garota se sentou entre a Duda e a bonitinha de olho azul e castanho, a Nicole, apoiando a cabeça no ombro da mesma. Dei um sorriso irônico. Me perguntei se essa amizade entre elas seria a mesma até o fim daquele ano.

      Mas a Danny não ligava para disputas internas. 

      Daniel olhou para cada um de nós. Um sorriso discreto surgiu em seu rosto sempre tranquilo e sério. Como era possível ele ser tão jovem e pai de uma garota de quinze anos? Ele parecia um irmão mais velho, de vinte, vinte e dois anos, mas não um pai.

      Suspirei aborrecido e fitei o semblante do tsar.

      — O que vocês acharam da aula? — ele perguntou.

      Ótima, porém cansativa, pensei.

      — Foi legal. Amei — Micaela respondeu.

      — Peguei muito pesado com vocês?

      Abaixei a cabeça suspirando em aborrecimento, vendo os garotos se entreolharem atônitos. Alguém com coragem pra responder com sinceridade? Not.

      — O tipo de aula que eu passei hoje é o que nós fazemos na Companhia Paulistana de Dança — o orgulho transparecia na voz do Daniel. — O Método Vaganova, Russo. É o mesmo do Bolshoi. Por ser fiel à escola russa, é puxado.

      Minha cabeça estava em outro lugar. Achei que a qualquer momento minhas pálpebras se fechariam e o colo da Alice fosse me servir de travesseiro. Tédio!

      Eu estava me sentindo um aluno do fundamental que se senta no fundo da sala e masca chiclete, aguardando o ponteiro maior do relógio chegar no doze,  para poder sair correndo e jogar futebol.

      — Ano que vem vou prestar audição para a Companhia Paulistana — disse uma loura de mecha azul, muito gata por sinal.

      — Olha, isso é legal — Daniel respondeu. — Pode ser que você seja minha partner — a garota suspirou.

      — Meu sonho também é dançar lá, mas deve ser bem difícil passar na audição — a Flávia ganhou minha simpatia por ser realista.

      Todo mundo sabe que não é qualquer bailarino que dança na famosa companhia de São Paulo. Pra fazer parte do elenco e dançar com o Daniel, o cara, ou a garota, tem que ser fera de verdade. 

      — Difícil e impossível são coisas diferentes. Se você se dedicar, se treinar, absorver com carinho tudo o que o professor ensina, vai conseguir. 

      Daniel pausou para vislumbrar o rosto de cada um dos garotos e garotas a sua volta e um brilho saía de seus olhos azuis. Cautelosos e atrevidos, iguais aos da Danny.

      — Quem de vocês sonha em entrar numa companhia profissional e dançar pelo resto da vida?

      Vendo todo mundo levantar a mão (alguns brincaram de ter dez anos, dizendo eeeeuuu), levantei a minha, um pouco acima da linha do ombro. A pergunta era até retórica. Ninguém estudava balé mais de cinco horas por dia sem o objetivo de um dia dançar profissionalmente.

      Alice foi a única que não levantou.

      — Você não vai continuar, Alice? — o semblante do professor se revestiu de tristeza.

DanielleOù les histoires vivent. Découvrez maintenant