Minha transa com o Vítor Hugo foi melhor do que eu poderia imaginar. Eu nunca iria esquecer. Mas eu não podia perder meu foco, que era o balé, e tinha que ser honesta comigo mesma ao me lembrar que o que aconteceu entre nós foi casual.
Senti que meu corpo desobedecia todos os avisos de alerta que minha razão dava. Aquele bailarino tinha um magnetismo, algo forte o suficiente para desestabilizar uma garota. Não sei se era aquele sorriso, aqueles olhos invasivos ou a boca que se entortava graciosamente do lado esquerdo tipo Edward Cullen, mas eu meio que fiquei em transe enquanto esperava ele falar.
— Nada — fiquei frustrada com a resposta.
De repente, Pedro Botelho entra causando na sala, e disfarcei fazendo três ou quatro piqués até chegar ao meu lugar na barra. Nicole estava atrás de mim, beliscou meu bumbum, e vi um sorriso irônico em seus lábios ao me virar.
— Pena que o professor entrou — ela disse fazendo uma série de tendus en croix. — Tem que ser mais ligeira, sardentinha.
— Não me chame de sardentinha — admoestei-a. — E não sei do que você tá falando.
— Vocês dois disfarçam muito mal.
— Disfarçar o quê? Explica, Nicole Nágila.
— Ah, meu Deus, que sonsa... — a neta de libaneses revirou os olhos. — Danny, você não percebeu?
Neguei com a cabeça.
— O Vítor Hugo tá a finzão de você, garota.
— Não seja idiota, Nicole — me irritei. — Que nada a ver.
— Nada a ver por quê? — a garota de um olho azul e outro castanho faz um soutenu devant com um demi rond seguido de um port de corp na barra, ignorando minha falta de paciência.
— Somos só amigos — expliquei.
Fiquei de costas para ela. Desci em grand plié e ao subir, fiz um atittude derriere.
— Amizade colorida é mais do que amizade — a risadinha sardônica da Nic me fez perder a concentração e quase caí.
Olhei para o teto balançando a cabeça negativamente e virei a cabeça para o outro lado, onde Vítor Hugo estava. Ele havia recobrado sua postura de aluno atento e dedicado. Era o que eu iria fazer também. Sem distrações com sexo masculino.
Fiz tantos tendus na minha vida que esse exercício se tornou um dos meus preferidos. Como tenho o colo de pé mais alongado, ele acaba chamando a atenção de todos os professores. Não é todo mundo que consegue se sentar e fazer a ponta do pé tocar no chão.
O Carlos Amaral, impassível e quieto ao lado do suporte do som, fazia anotações na sua prancheta, alternando com olhares atentos em cada exercício que fazíamos, e eu não fazia a menor idéia do porquê. Claro que isso não era da minha conta.
Pedro desligou o som para corrigir a postura da Nicole, que fazia o tendu derrière torcendo a cintura e mandando o bumbum lá pra trás. Gostei da explicação do emprego das forças opostas, se bem que a Letícia dava essa explicação sempre. O problema é que esquecíamos.
Pobre Nicole! Junto com a Fabrícia, a Renata e o Enzo, foi a bailarina mais corrigida durante a aula. Não que eu tivesse sido perfeita. No grand battement, em que a gente sai de quinta posição raspando o chão e levanta a perna o mais alto possível, me esqueci de fundamentos bobos.
Resultado? Pedro veio até mim, sério.
É engraçado como a gente odeia quando todo mundo da sala fica olhando pra gente. Acho que nunca vou saber lidar com isso.
— Faz um grand battement derrière — ele ordenou.
Obedeci.
— Segura no ar!
Com agilidade, Pedro segurou minha coxa pela parte interna com uma das mãos, enquanto a outra pressionava meu abdômen.
— O corpo tem que ficar reto, é a perna que sobe — Pedro fez meu fêmur rotacionar — Que coisa! Com um en dehor absurdo desses e você tem coragem de levantar essa perna em en dedan? Se concentra, menina!
Eu podia jurar que tinha feito o movimento corretamente.
— Repete o exercício.
Mentalizei a contagem de sete e oito, e obedeci. Pedro me olhou de cima até embaixo, e eu torci para não errar mais nada. Ele balançou a cabeça afirmativamente e por um momento se virou para o Carlos Amaral, que acompanhava meu exercício. Os dois trocaram um aceno de cabeça.
KAMU SEDANG MEMBACA
Danielle
RomansaPara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...