Vítor Hugo
Eu não conseguia entender o porquê de me sentir tão atraído por Danielle e porque cada movimento que ela fazia, mesmo tão simples, como alisar o cabelo, me parecia um balé gracioso. Só tinha certeza de uma coisa: ela valia a pena. Ela não era uma garota só pra ficar.
A verdade era que minha cabeça estava confusa. Eu tinha um monte de problemas para gerenciar, problemas que não me deixavam pensar direito. O mais grave deles: Beto Corrêa estava chegando. Pois é, meu padrinho, o homem que alavancou minha carreira em troca de favores sexuais, logo estaria em Ribeirão Preto e meu sossego chegaria ao fim.
— É aqui? — a motorista do Uber perguntou ao parar em frente à pannetteria que virou nosso point nos últimos dias.
Respondi um sim quase inaudível.
Léo me informou por whatsapp que estava saindo do alojamento com a Rafa, a Ana e a Micaela. A raiva que eu sentia da minha partner tinha arrefecido, nos entendemos bem na nossa apresentação ontem e nossa conversa foi amistosa. No entanto, o comportamento dela estava estranho demais para o meu gosto. Ela não gostava da Danny, facto. Mas tinha mais coisas soltas, como alguns comentários que ela fazia mostrando angústia, revolta, insegurança e raiva. Mas eu achava que ela não falaria nada.
Me adiantei para entrar na padaria, olhando com preocupação para o céu com nuvens escuras. De um dia para o outro o ar ficou melhor pra respirar, nem lembrando mais o ar seco que encontramos quando chegamos aqui no começo de semana.
Ao pensar nisso, me assustei. Já fazia cinco dias que estávamos aqui. O tempo estava passando rápido demais, não me dando tempo pra acompanhar nada.
E tinha o espetáculo da noite de encerramento.
Nossa apresentação seria amanhã. Pelo ensaio que Danielle e eu tivemos ontem, dava pra fazer bonito. A química entre nós fluiu. Nos soltamos, nos olhamos como um casal apaixonado. Hoje seria muito melhor.
Ela ainda não tinha a técnica da Duda ou da Micaela. Mas tinha coragem e ousadia. Quando eu achava que não conseguiria segurá-la, a garota me olhava firme com aqueles olhos azuis, me encorajando, como se me dissesse confie em mim, eu não vou quebrar se cair. E ao me convencer disso, nossos movimentos se harmonizavam.
Pena que logo eu estaria longe e não poderia acompanhar sua evolução. Só me restava ter esperança de que um dia eu pudesse vê-la dançando na Europa, numa boa companhia.
É muito injusto a gente conhecer uma pessoa legal, criar uma sintonia bacana com ela, e não poder ficar. Despedidas são chatas demais.
Danny não era perfeita, claro. Tinha aquele arzinho arrogante, coisa que toda garota nascida no meio artístico tem, era vaidosa, mas também uma simplicidade, uma gentileza com as pessoas e um encanto que faziam esses defeitos parecerem sem importância alguma. Eram esses defeitos que a faziam mais humana.
Ao me lembrar do sorriso da Danny ao final da última parte do ensaio e do brilho de felicidade em seus olhos, compreendi que eu não podia fazer menos do que fazê-la brilhar. Mesmo que eu tivesse de ser um coadjuvante.
Eu sentia que era capaz de colocar, pelo menos uma vez, a felicidade de outra pessoa como prioridade.
Esses pensamentos fugiram da minha cabeça assim que o barulho acordou meus sentidos.
Os carros já circulavam aos quantos pela rua. Ribeirão Preto era um importante centro comercial, famosa pela Agrishow e por uma feira de livros. O melhor gado de corte do Brasil era criado por aqui. Produzia-se cana-de-açúcar para as usinas destilarem álcool e toneladas de laranja.
Numa cidade tão rica, era normal que esporadicamente passassem carros de marcas de grife. Camaros, Maserattis, Ferraris.
Com um provável emprego de bailarino no futuro, dificilmente eu teria dinheiro ou crédito para comprar uma daquelas máquinas. Bens de consumo de 1 milhão de dólares são inalcançáveis para pessoas que não nasceram pra ganhar dinheiro. E bailarinos (uma boa parte deles) moram em casas de aluguel.
Meu único bem era uma CG 125, guardada na garagem ao lado da picape Saveiro do meu pai. Foi difícil comprá-la, precisei cortar muita grama de casas de condomínio, mas era um pequeno sonho realizado. Não era uma máquina possante, como a Hayabusa preta do pai da Danny, porém era minha e estava paga.
Eu podia ser um cara de muitas falhas. Mas era um homem esforçado, implacável em meus objetivos. Tudo o que eu queria, conseguia.
O pessoal chegou quase que junto comigo. Micaela me deu um oi seco, entrou na panetteria sem dizer mais nada, esbarrando em duas garotas que saiam. Eram bailarinas também. Uma destas soltou um garota xucra.
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Danielle
Roman d'amourPara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...