Danielle
Deixei Antonella dormindo, um meio sorriso em seus lábios me alertando de que, por trás daquele seu jeito indefeso, existia uma garota capaz de causar um estrago muito grande na vida das pessoas.
Eu nunca poderia ser amiga de alguém como ela.
Sai com uma muda de roupa, escova e pasta de dentes, aproveitando que ainda estava escuro. Só a insone aqui se levantava cedo, felizmente. Em casa eu treinava passos de balé no estúdio particular do meu pai, de paredes de vidro, e era prazeroso por causa da luz das casas do condomínio. Às vezes eu via carros entrando e saindo da garagem enquanto fazia exercícios.
Tomei um banho demorado. Aos poucos meus pensamentos ganharam a forma de um garoto de cabelos escuros e boca sexy, a voz dele parecendo sussurrar um pedido pra que eu fosse logo ao seu encontro.
Meus dedos procuraram minha vagina. Me toquei pensando nele, repetindo baixinho seu nome, e quando minha excitação escorreu por entre minhas pernas, se misturando com a água morna do chuveiro, senti uma pontada de angústia dentro de mim.
Eu precisava do Vítor Hugo. Meu corpo sentia falta do dele, como precisamos respirar para viver. Quando o rosto dele surgia diante de mim, sentia vontade de sorrir e tudo ganhava um significado diferente. No fundo, sempre o amei. E não queria amar mais ninguém.
Minha cuia de mate estava quase no fim quando Antonella apareceu na cozinha. Durante o tempo que ficou tomando banho, ela cantou uma canção pop em castelhano que não conhecia, e com uma mensagem bonita, sobre viver o hoje intensamente e esquecer o amanhã.
Por mais que eu não quisesse ter qualquer coisa em comum com aquela garota, ela cantou uma canção que falou diretamente à mim. Eu era imediatista. Só o hoje importava.
A loura me deu um sorriso malicioso, ao que retribui suspirando com tédio.
— Oh! É mate?
Acenei que sim.
— Não sabia que usted tomava mate. Só se tomam nos estados do Sul, na Argentina e no Uruguai.
— Eu nasci no sul do Brasil — informei. — Nasci em Santa Catarina. E mesmo que não fosse do sul, erva mate se vende em supermercados de outras regiões do Brasil.
— Me puedo tomar un gole?
Ofereci a cuia à argentina e gentilmente despejei água quente da garrafa térmica.
— Que rico! — ela sorriu — Igual ao que meus tios tomam em Rosário do Sul. Ah! Não te contei? Minha prima también es bailarina. Ela se chama Tainá e se parece muito comigo, todos pensam que somos hermanas.
Espero que a semelhança seja apenas física, pensei. Ninguém merece duas Carrascosas.
— Vou indo ao balé — encerrei a conversa, me levantando.
— Yo voy más tarde — a argentina respondeu.
Que bom.
Pus meu collant na mochila e o violão debaixo da cama. Olhei para o quarto uma última vez antes de sair. Sem saber porque, tinha um pressentimento estranho de que algo iria acontecer, mas não fazia ideia do quê.
— Danielle.
Me virei empinando o queixo para Lupita, que lia um livro sentada no sofá de frente para a estante da tv com vários dvds e livros.
— Esqueça o que aconteceu ontem à noite — o pedido dela me atingiu como um soco. — Ninguém precisa saber.
— Ok. Ninguém precisa saber.
Como o caminho até a escola não era tão longo, optei por ir a pé, para tomar café da manhã numa padaria que eu tinha descoberto por acaso, e que vendia um alfajor mais gostoso do que os de Buenos Aires.
Stefany demorou a atender o telefone. Nada mais ela, sempre tão devagar. Normalmente eu contaria à Duda ou à Nicole que eu não estava mais solteira, e todas as palavras que Vítor Hugo e eu dissemos um para o outro. Como minha melhor amiga estava agindo de forma estranha comigo, escolhi minha prima preferida.
— É sério que você tá comprometida? Logo você, Danny, tão independente?
— Pra tu ver como as pessoas mudam.
— E como é esse cara?
— Simplesmente o homem mais legal, carinhoso e companheiro que conheci — imaginei meus olhos brilhando ao falar sobre meu namorado. — Tô muito feliz, Steffany.

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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...