Danielle
Não sei há quanto tempo eu estava esperando a Duda sair do banheiro. Enquanto ela não desocupava o sanitário, verifiquei minhas mensagens de whatsapp. Uma destas chegara a não mais que cinco minutos. Era da Jordana, me mandando um vídeo do curso de férias da Letícia Ballet em que ela estava sendo segurada em pescado pelo professor Gustavo.
A conversa que tivemos por meio de mensagens de áudio me subtraiu um pouco das preocupações que eu tinha. Vítor Hugo e eu voltaríamos a ensaiar amanhã, estávamos bem conectados e os ensaios estavam fluindo legal, mas eu estava aflita.
Como você se sentiria se uma pessoa de quem você gosta te contasse que sofre abuso?
Eu estava puta. Aquele idiota do Beto Corrêa não só intimidava o Vítor, não só abusava dele, como também teve a ousadia de me chamar de gostosa.
Antony, meu pai e eu conversavámos no shopping. Eles insistiram para que eu contasse o que o Beto havia falado pra mim e para o Vítor Hugo, porém me mantive calada. Então a Malu chegou com o filho. Nós duas saímos para passear, e não resistindo à fofura do Pedro Henrique, pedi para carregá-lo.
Contei à minha nova amiga sobre uma situação em que um bailarino se deita com um homem mais velho em troca de patrocínio e favores numa companhia. Não mencionei o nome do Vítor Hugo, claro. Falei que um amigo de quem eu gostava muito estava passando por isso e que queria ajudá-lo.
Malu ficou surpresa, mas não mostrou interesse em saber quem era esse amigo, felizmente.
— É triste, nem todo bailarino ou bailarina faz isso, mas acontece — ela afirmou. — Até em companhias de renome internacional.
— Nesse caso, o bailarino é uma vítima, não é? Tipo... Ele não tem culpa — o garotinho pôs os bracinhos em volta do meu pescoço.
— Sim. Nada muda o fato de que ele sofreu abuso sexual. Isso é crime.
Fiquei séria, pensativa. Pedro Henrique passou a mão no meu rosto e fez a mãe rir ao dizer: olha, mãe a tia Danny tem pintinhas no rosto.
— Então, ele tem que denunciar o cara, não é? — insisti, enquanto sorria para o filhinho da primeira bailarina do Ballet de São Paulo.
— É obrigação dele fazer isso. Seu amigo não pode deixar que um monstro fique impune, ou então mais garotos sofrerão abuso. O silêncio da vítima só dá ao criminoso a sensação de que pode continuar abusando de outros jovens.
— Só que não é fácil pra ele. Esse meu amigo deve seu sucesso como bailarino ao pedófilo, e tem medo de abrir a boca e de repente, perder tudo o que conquistou.
— Eu entendo o lado dele. Mas tem que fazer o que é certo.
Voltei do passeio confusa, sem saber o que pensar, sem saber como ajudar o Vítor Hugo.
Nossa relação estava com os dias contados. Mesmo gostando dele, eu não sentia por ele algo que pudesse ser chamado de paixão. Tínhamos uma cumplicidade, uma coisa bem mais forte que uma simples amizade. Era algo intenso.
Eu queria poder fazer alguma coisa. Mas o quê?
— Duda, você vai demorar muito? — perguntei pela terceira vez.
A bailarina de pele bombom deu a descarga, abriu a porta toda faceira, e empurrando-a de lado, bati a porta com um estrondo ao entrar.
Num instante, minha calça e minha calcinha desceram ao chão, e senti uma sensação gostosa de relaxamento e esvaziamento que temos ao fazer necessidades.
— Danny, por que você ficou tão metida de uns dias pra cá? — minha amiga perguntou.
— Metida? Eu não sou metida — me defendi.
— Ah, não? Você quase não conversa mais comigo e com a Nicole. Antes éramos como trigêmeas siamesas, agora você só fica com o Vitor Hugo.
Notei um certo ressentimento na voz da Duda. Por causa daquele garoto, eu tinha jogado minhas amigas para escanteio.
— Eu tenho que responder para uma porta? — provoquei, sorrindo com malícia.
Ouvi um resmungo do outro lado.
— Me desculpa, Duda. Mas você não precisa sentir ciúmes.
— Sério? O que aconteceu, miga?
Mordi meu lábio inferior, suspirando.
— Nada.
— Não vai contar pra mim, que sou sua amiga?
— Não — respondi secamente.
— Você e seus segredos.

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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...