Capítulo 7

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          Vítor Hugo

      A melhor parte de uma apresentação é quando ela termina. Quando um bailarino dança num palco, toda sua alma luminosa se desnuda. Ele dá tudo de si, oferece livremente sua arte, todas as horas passadas no estúdio. E recebe, no final, os merecidos aplausos de seu público como gratidão. 

      Tais palavras eram repetidas sempre pela professora Agatha e tinham um teor motivacional.

      Ao fazer a reverance depois do meu repertório, meu sentimento não era felicidade. Era alívio. Alívio por não ter caído quando girei aquelas pirouettes, alívio por não ter me estatelado no chão quando saltei grand  jetés, alívio por manter minha postura em meio ao meu drama pessoal com um resfriado. Era mesmo um resfriado?

      Bosta! Será que eu estava com virose? E ainda havia mais cinco noites de dança. E duas semanas de Curso de Verão.

      Recebi de muito bom grado os abraços da Rafa, da Ana e do Léo, mas nem olhei para a cara da Micaela. Alguém devia costurar a boca dela, como costuraram seu ânus depois de uma transa nossa que não acabou bem.

      Conferi no meu celular (que deixei com o Léo para poder dançar) minhas mensagens. Deslizei meu celular pela tela, vi fotos e vídeos jogados nos grupos de whatsapp. As putarias de sempre. Pênis de todos os tamanhos e muita foda. Meu celular ultimamente parecia uma galeria do Xvídeos.

      Mesmo não sendo nenhum modelo de virtude, eu não havia chegado ao ponto de marcar encontros casuais com meninos e meninas aleatórios por telefone. Ainda me sobrou um pouco de vergonha.

      Uma das mensagens me deixou aflito, porque era justamente do Beto Corrêa, meu "benfeitor".

      Oi, novinho. Td bm?

      Teclei uma resposta seca.

      Td.

      Você já dançou hj?

      Sim, agora há pouco.

      Legal. E como foi?

      Fui bem.

      Por que aquele cara tinha que me mandar mensagens de  whatsapp justo naquele momento? 

      A imagem que eu tinha de Beto Corrêa era a de um homem que impunha respeito, um homem de tino administrativo e visão para negócios. Era fato que ajudou muitos bailarinos a entrar para importantes companhias. Não dava pra negar suas qualidades como visionário. 

      Mas, e as qualidades humanas, tão importantes num ser humano? Agatha o conhecia muito bem, já que foram parceiros de dança, e dizia que ele era desagregador, dissimulado, capaz de tudo para subir na vida.

      Infelizmente, depois de tanto tempo me envolvendo com ele, comprovei a veracidade de suas palavras.

      Como um bailarino controvertido subiu na vida e se tornou diretor da Alliance, isso ninguém sabia. E não tinha a menor importância pra mim. A verdade era que minha carreira havia chegado à um patamar tão alto graças a ele, e mesmo ele sendo um bosta, eu dependia de seu dinheiro.

      Por que vc tá tão ríspido comigo?

      Engoli em seco.

      Só tô um pouco cansado, querido. E resfriado.

      Ao lado do nome do Beto apareceu a mensagem de aviso “digitando”, e pensei que ele estivesse escrevendo um testamento, já que não caia.

      Td bm. Curta bastante o festival. Beijo, gostoso.

      Um suspiro de alívio saiu da minha garganta. Travei a tela do celular, soltei um grunhido tedioso. Precisava sair para fumar um cigarro, tomar um ar fresco, e me livrar um pouco daquela atmosfera de teatro.

      Ao me virar, dei de cara com a Danny, sorridente e linda, usando o tutu de Paquita com uma flor branca e um laço da mesma cor no coque. Nem notei sua aproximação.

      — Você dançou variação masculina de Paquita — ela observou meu figurino. — Muito legal.

      Fiz um aceno em afirmação.

      — Se a organização deixar, podemos dançar um pas de deux — arrisquei.

      Ela mostrou aquele sorriso metálico brilhante ao revirar os olhos, me fazendo sentir mais leve.

      — Onde você estava? — perguntei.— De repente você sumiu depois que a sua amiga se apresentou. — Por que não me viu dançar?

      — Eu vi, sim, tá? 

      — Mas não vi você quando sai do palco.

      — Mas eu assisti sua apresentação. Até ouvi algumas meninas da plateia te chamando de lindo.

DanielleOnde histórias criam vida. Descubra agora