Vítor Hugo
Me vesti bem devagar. Não que eu estivesse calmo, pelo contrário. Eu sentia como se ondas furiosas se chocassem contra todos os meus órgãos, e como se a minha vida nunca mais fôsse a mesma depois que eu saísse daquela escola.
Meus olhos tinham uma coloração rubra por causa dos minutos que fiquei chorando; respirei fundo, tentando buscar coragem para fazer o que eu devia ter feito há muito.
Ninguém podia me ajudar, era uma coisa só minha.
Tão perto e tão longe… Ouvi uma vez essa expressão num filme, bem cafona, sobre um cara que fez tanta burrada no passado, teve a chance de se redimir e perto da salvação, ficou cego.
Por que estando próximo de dar um passo decisivo, eu ainda hesitava? Por que o medo nos prega essas peças?
Os rapazes iam para a sala número 6 para a aula de hip-hop e fizeram cara de surpresa por me verem andando na direção contrária à deles, com roupas normais e mochila nas costas. Mas é claro que eles não faziam ideia do que eu estava sentindo. Acabei esbarrando sem querer no ombro de um deles, e mal ouvi um sonoro você não olha por onde anda?
Ao passar pela sala de onde eu acabara de sair da aula de balé clássico, parei e olhei pelo vidro transparente as garotas sendo ensinadas pela professora Teodora, que naquele momento, segurava a Danny pela cintura, por trás, passando instruções. A loura fez plié, subiu em relevé passé e girou dupla pirouette, com os braços à frente do umbigo.
Esbocei um sorriso de orgulho pela dedicação da bailarina. Queria poder assistir sua aula.
Ela me viu e veio em minha direção, aproveitando uma parada da aula. Me olhou com ternura, sorrindo, e erguemos nossas mãos ao mesmo tempo, tocando o vidro. Era como se nossas mãos se tocassem, como se eu pudesse sentir o calor da mão dela, mesmo com o vidro nos separando.
Aquela garota não mexia só com meus instintos, me fazendo querer decifrá-la e entender como podia existir pessoas como ela, que mudavam tudo à sua volta e tornavam o mundo mais alegre.
O sorriso lindo dela, diante de mim, com aquele aparelho de dente de pedrinhas azuis e borrachinhas, tão adolescente. Aqueles olhos azuis, doces e cheios de bondade, mas também com malícia de mulher.
Eu estava apaixonado por ela. Pra quê continuar negando esse sentimento?
Uma lágrima brotou do meu olho, e o sorriso dela, de repente, se retraiu.
Passando o dorso de sua mão no meu rosto, olhei pra ela com gravidade e meu coração bateu forte.
Eu te amo, balbuciei, mesmo sabendo que ela não podia ouvir do outro lado. Como a bailarina não parou de me fitar em nenhum momento, tenho certeza que ela compreendeu minhas palavras por causa dos movimentos dos meus lábios.
Danny semicerrou a boca, os lábios carnudos e sexys, os olhos azuis tão doces e amorosos. Linda. Mais do que toda uma companhia de bailarinas, mais do que uma constelação de estrelas.
Tudo nela me fazia lembrar beleza, perfeição, e fazia aflorar dentro de mim desejo e luxúria , mas também afeto, carinho e amor. Tudo o que há de pecaminoso e sublime, ao mesmo tempo. Eu queria poder viver muito mais com ela.
Inspirei e expirei fechando os olhos, me perdi inevitavelmente nos lindos olhos azuis celestes da garota loura de sardas.
A garota “soltou” minha mão e tocou com o indicador no vidro na altura dos meus lábios, sempre sorrindo, como se estivesse dizendo que tudo ficaria bem e como se quisesse que eu acreditasse nisso. De repente, vira a cabeça para o meio da sala. A aula de pontas ia continuar.
Danny voltou para junto das colegas. Uma garota de cabelo platinado, que não participou da primeira aula, a observava de modo malicioso, e eu achei que a tinha visto em alguma cidade. Nem alta, nem baixa, com algumas curvas, e parecida com a Danny, porém com expressão perversa.
Dei um sorriso triste ao ver que a bailarina de sardas me deu um sorriso afetuoso e fez um coração com as mãos, dando tchau em seguida.
Uma parte de mim queria ficar e vê-la dançar com as outras moças, princesas iguais à ela. Fazendo aula ou dançando num palco, Danielle Raluca nasceu para brilhar.
Há algumas noites atrás, em meio à uma crise moral, me perguntei se ela valia a pena.
Sim. Ela valia.
Danielle era tudo pra mim e eu não precisava de mais nada. Sua linda história de vida, sua busca por se superar sempre, me davam força pra fazer o que eu precisava. Existiam coisas mais importantes do que dançar.
KAMU SEDANG MEMBACA
Danielle
RomansaPara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...