Vítor Hugo
Acordei às 6 horas, como sempre. Depois do sonho – ou pesadelo – com Beto Corrêa, tive uma noite de sono sem interrupções. O pessoal já estava acordado, abri os olhos a tempo de ver a bunda gostosa da Micaela, que se levantava usando uma camiseta branca e uma tanga vermelha. Ela se virou pra mim e piscou um olho, pra logo em seguida me mostrar a língua; ri com deboche de sua capacidade de às vezes ser tão infantil. Não consigo ter raiva dela por muito tempo. Ela vestiu um short largo, calçou um par de chinelos e saiu com toalha, uma muda de roupa (o uniforme do curso), escova e pasta de dente.
Me espreguicei no colchão e mandei uma mensagem para minha mãe. A última vez que ela estava online foi à meia noite.
Ri com malícia, deduzindo que os velhos haviam assistido um bom filme depois da novela. Achei melhor esperar que ela acordasse para conversarmos.
Nosso dia seguiria o mesmo cronograma de ontem. Aula de balé clássico às 9 h. Aula de pontas para as meninas às 11h, depois intervalo para o almoço. Marcação de palco, e às 16h, competição de balé contemporâneo.
Ainda era cedo, e eu decidi tomar banho por último. Na falta de ter algo melhor pra fazer, abri o aplicativo do YouTube e procurei pelo canal que a Danny tinha. Os vídeos pipocaram. Eram tutoriais ensinando como se alongar, a importância da respiração, como uma bailarina deve se comportar numa aula.
Todos os vídeos tinham mais de cinco mil visualizações, prova de que a garota era superpopular. Cliquei num deles, cujo título era Como girar dupla pirouette. A professora dela aparecia em frente a parede de espelhos, com o moletom da escola, ao lado da Danny, que usava um collant preto de manga comprida, meia calça cor de rosa, e estava em quinta posição de pernas com os braços cruzados atrás do corpo. E claro, um coque impecável.
Pus um fone de ouvido e dei play.
— Olá, bom dia, tudo bem com vocês? Eu me chamo Letícia Espinoza, sou bailarina, coreógrafa, professora e diretora do estúdio Letícia Ballet, em Perdizes, São Paulo. E essa menina alta ao meu lado é a Danny, uma de minhas principais bailarinas. Danny, você é tímida, mas dá um oi pra eles.
— Oiê.
Sorri, ao ver a Danny acenar para a tela. Ela estava bem à vontade e sorridente.
— À pedido da Danny, estou aqui para ensinar como girar dupla pirouette. Muita gente manda mensagens pra ela dizendo: “Danny, eu vejo você girando três, quatro pirouettes, acho tão lindo… Entrei no balé há um ano, eu me dedico, mas só consigo girar uma. O que tô fazendo de errado?"
À medida que Letícia falava, eu me convencia firmemente que ela era uma profunda conhecedora dos fundamentos básicos do balé clássico e da anatomia do corpo humano. Uma mestra. Ela usava o corpo da Danny como exemplo, pontuando a importância de ter uma meia ponta alta do pé de base, um bom plié/ relevé/ passé e quadril encaixado. Pontuou que uma bailarina deve verticalizar seu corpo, com o abdôme contraído, sempre.
— Como a pirouette é um movimento muito dinâmico, é muito importante que você ache o passé rapidamente antes do giro. O erro comum de bailarinas iniciantes é girar antes de estar alinhada.
À pedido de Letícia (ordem, na verdade), Danielle ficou de costas.
— No momento da pirouette, as escápulas da bailarina devem estar baixas — ela tocou a bunda da Danny —, e o bumbum, contraído. Não pode estar solto, senão você vai despencar. Os braços devem estar estendidos na altura do umbigo.
Ao final das explicações, a Danny girou vários tipos de pirouettes, com fechamento em quinta posição, quarta e até primeira posição de pernas. Essa última não é muito comum.
Também passou um exercício, em que ela fica deitada de lado, com uma das pernas esticadas e a outra dobrada em passé, fazendo pequenos movimentos para frente e para trás, para ensinar o corpo a encontrar seu eixo.
— Espero que vocês tenham curtido o vídeo — disse Letícia. — Beijos de luz. Dá tchau pra eles, Danny.
A bailarina acenou com os dedos.
— Tchau.
Abaixo do vídeo, mensagens de Amei, Danny, adoro seus vídeos, ou então bailarina linda.
Outros vídeos seguiam a mesma linha didática. Danny falava pouco, apenas dava exemplos práticos. Quem falava eram os professores e coreógrafos convidados por ela.
Zapeei por outros vídeos, e acabei encontrando a Françoise. Havia muita coisa da mãe da Danny. Vídeos de quando ela tinha catorze, quinze anos, de apresentações em festivais de São Paulo, Porto Alegre, Mar del Plata, Nova York e Berlim.
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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...