Capítulo 61

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          Vítor Hugo

      Enxuguei o rosto com uma toalha velha que uso há dois anos, presente de aniversário da Micaela num amigo secreto. Toalhas não são presentes muito populares entre adolescentes, porém aquela tinha um significado especial. Era uma toalha do Santos, meu clube do coração, e também da Micaela. 

      Presentes simples muitas vezes trazem boas recordações. Aquele pedaço de pano, por exemplo, me fazia lembrar de uma época em que a vida era simples, em que achávamos que por sermos jovens, podíamos encará-la como diversão e a tocasse em frente do jeito que desse. Porque tínhamos muito tempo antes de nos ocuparmos de coisas de adultos.

      Um sorriso patético brincava na minha boca quando voltei ontem do hostel e encontrei tudo escuro e apagado.

      Eu estava namorando a garota que eu amava. Tínhamos agora um compromisso.

      Demorei a pegar no sono, porque não podia tirar de mim todas as sensações que vivi com a Danielle ali, naquela pracinha perto do hostel. Sensações de paz, realização e felicidade.

      Ouvi um gemido do outro lado da sala. Soerguendo meu corpo, percebi que Micaela chorava baixinho. Preocupado, me levantei, fui até ela, segurei-lhe a mão, a fiz perceber que eu a olhava.

      — Minha melhor amiga, melhor parceira de dança que já tive na vida, quando você vai me dizer o que está acontecendo? — perguntei acarinhando seu rosto.

      A morena de olhos verdes fungou, desviando o olhar.

      — Não está acontecendo nada, Vítor Hugo — obviamente, ela se blindou. — Vai dormir.

      — Eu não posso dormir e simplesmente fingir que você não tá chorando. Por que não conta pra mim? Você tá doente, com dor, ou é outra coisa?

      Meneando a cabeça em negação, a garota deitou a cabeça no travesseiro, virando-a para o outro lado.

      — Dorme, Vítor Hugo — suplicou com irritação. — Amanhã vou estar melhor. Prometo que amanhã tudo isso vai acabar.

      — Tudo isso o quê?

      — Por favor, volta para o teu canto.

      Suspirei entediado, me levantei. Dei dois passos para voltar ao meu colchonete inflável, até que a voz da morena me fez parar:

      — Você voltou feliz. Se acertou com a Danny?

      Sorri, me lembrando da garota que agora era minha namorada.

      — Me acertei, sim. Estamos juntos agora.

      — Que bom. Ela parece ser uma boa pessoa.

      Minha testa vincou em surpresa pelo elogio feito à loura.

      — Você não tá bem mesmo — brinquei.

      — Por quê?

      — Tá elogiando a Danielle.

      — Eu nunca tive nada pessoal contra ela, Vítor Hugo. Só a acho mimada, meio narizinho empinado e arrogante algumas vezes. Mas odeio ter que admitir que ela é a pessoa certa pra pôr juízo nessa tua cabeça dura. 

      Ri do comentário.

      — De coração, Vítor Hugo, quero que vocês dois sejam felizes. Por favor, não vacile com ela. 

      Assenti em silêncio, me deitando e puxando o edredom sobre meu corpo e dormi.

      Agora, terminando de fazer minha higiene matinal, penteei o cabelo e me arrumei pra ir à aula com o pessoal da minha escola. Léo vestia a calça de moletom da Promoarte (a produtora deu uniformes à todos os cursistas) sobre o fio dental. Eu achava incômodo usar esse acessório, por isso só o vestia antes das aulas de balé e o arrancava assim que estas acabavam.

      Rafa fazia o coque em frente à janela de vidros abertos. Um vento refrescante entrava e amenizava um pouco aquele calor que fazia a gente se sentir num deserto.

      — Cadê a Micaela? — perguntei ao não vê-la. Nem a mochila dela estava no chão.

      Léo deu de ombros. Rafa girou sobre os calcanhares pondo uma redinha no coque.

      — Ela saiu sem dizer aonde ia, Vítor Hugo — respondeu. — Mas estava chorando. Não sei se vai para a aula hoje.

      — Aquela garota precisa é de um bom psicólogo — Léo replicou. — Tá muito diferente.

      — Ela não conta nada pra você, Rafa? Nem pra Ana? — me agarrei a esse fio de esperança.

      — Não. Ela não diz nada.

DanielleDonde viven las historias. Descúbrelo ahora