DanielleComo a professora Vanessa trouxe toda a sua equipe para competir em Ribeirão Preto, e ela não dava conta de preparar todas as suas alunas, me ofereci para ajudá-la a maquiar as pequenas e a confeccionar os coques.
Muitas delas estavam nervosas, a maioria iria pisar no palco pela primeira vez. Eu podia ver a aflição em seus rostinhos, buscando apoio umas nas outras. Desde pequenas, a gente desenvolve esse sentimento de amizade, de união, a gente meio que acaba se tornando uma família. Acho isso lindo.
Aquelas meninas um dia seguiriam os passos da minha mãe e de tantas dançarinas que escreveram seu nome na história da dança clássica, que é dura com quem não se dedica, mas sorri pra quem acredita em seu sonho. Não consigo acreditar que um sonho desiste de nós. Muitas vezes somos nós quem desistimos dele.
Não importa o que digam, sempre vai ser possível dar um passo a mais.
Perdi a conta das vezes que voltei pra casa chorando porque tinha ido mal na aula, e os únicos amigos que me ouviam com atenção e paciência eram meu diário e meu travesseiro. Era angustiante não poder contar com ninguém, e eu tinha que enfrentar, porque eu era filha de uma bailarina lendária e queria ser forte como ela, pra que ela sempre sentisse orgulho de mim.
Dançar é para os fortes.
Cansei de ouvir pessoas repetindo essa frase como um mantra. Acho que quem dança é uma pessoa feliz, independente de ser uma super bailarina ou não. Se não fosse pela dança, eu seria só mais uma entre tantas meninas, normal. E eu não queria ter uma vida normal, sem graça.
Enquanto eu fazia o coque de uma menina ruivinha, as outras formavam fila esperando sua vez, e já não mostravam muito nervosismo depois que conversei um pouco com elas. Tudo o que a gente precisa é dizer as palavras certas.
Achei que assim que o festival acabasse, eu iria querer levá-las pra casa, já que me apego muito fácil com crianças, e aquelas eram tão boazinhas e comportadas que era impossível resistir a tanta fofura.
Gabriela era a mais falante. Nos poucos minutos que a maquiei, ela me contou que já tinha viajado para a Argentina, para o Chile, Estados Unidos e Itália, que estava triste porque a gatinha Hadija tinha morrido e que o filme que mais gostava de assistir era Barbie Bailarina.
— Você já assistiu esse filme, tia Danny? — ela perguntou.
— Já sim, Gabi. Era meu filme preferido também — dei um sorriso.
Flashes da minha infância passaram diante de mim enquanto eu colocava grampos e uma redinha no coque da garota. Fui levada ao passado, ao começo de tudo.
Meu primeiro dia no balé, num pequeno estúdio de Joinville. Todo mundo esperava que eu seguisse carreira na dança, não só porque minha mãe era bailarina, mas porque eu tinha físico ideal para a dança clássica. Meus pais assistiram minha aula, várias vezes olhei para os dois furtivamente e trocávamos sorrisos. Eu sabia que eles estavam orgulhosos de mim.
Nunca sofri pressão para seguir a carreira da minha mãe, apesar de muita gente pensar o contrário. Meu amor pela dança nasceu de forma livre, como toda forma de amor tem que ser. Eu queria ser bailarina e pronto.
Dancei minha primeira variação clássica na sapatilha de ponta aos dez anos de idade, um pouco antes de eu ser diagnosticada com câncer.
Mas foi aos oito anos que tive meu primeiro contato com o sonho de toda garota que quer ser um cisne.
A peça mais importante para uma menina bailarina não é um sutiã, mas uma sapatilha de ponta. Quando a gente a calça pela primeira vez, é como se pudéssemos tocar o céu. Nos sentimos plenas, importantes. Na verdade, dançar nas pontas é iniciar uma nova fase na vida artística, com mais dores, mais responsabilidade com nós mesmas.
Minha mãe e eu morávamos em Nova York. Ela era Primeira Bailarina do New York City Ballet, e uma estrela, sendo sempre convidada para estrelar espetáculos e a gravar comerciais. Por ser bailarina, claro que eu também recebia assédio da mídia especializada em dança, mas isso não me incomodava na época. Era legal ser garota propaganda de marcas de collants e sapatilhas.
Todos me viam como a princesa bailarina. Predestinada a ser uma nova Françoise Shushunova, porém loura.
Minha professora um dia se aproximou de mim, e decidiu que eu estava mais do que pronta pra dançar um balé de repertório, já que meus tornozelos estavam fortes. Fiquei supercontente, minha mãe e eu voltamos pra casa saltando e dançando pelo Central Park, assustando os pombos.
Como sinto falta desse dia. Como eu queria poder ganhar de novo aquele abraço tão caloroso e cheio de amor que me fazia sentir especial.
Ensaiei minha variação clássica durante dois meses. Era um Paysant, do Balé Giselle. Mas minha estréia nas pontas teve um parto muito mais difícil do que eu esperava, porque comecei a conviver com dores nos pés e com as cobranças. Sapatilha de ponta te faz tocar o céu, mas também causa dores.
KAMU SEDANG MEMBACA
Danielle
RomansaPara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...