Capítulo 33

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          Vítor Hugo

      A sensação de esmorecimento no corpo e os espirros voltaram pra valer, fazendo com que eu me preocupasse com um possível mau desempenho no espetáculo daquela noite. Justo na noite mais importante da minha vida. E da vida da Danny.

      Consegui ter uma boa noite de sono, apesar de eu estar puto com o que presenciei. Ela não podia estar conversando com aquele cara. Odin! Porra, ele veio com aquele lixo, não deve prestar. Sem falar que estávamos ficando.

      Como se não bastasse, minha consciência me acusava por eu estar sendo um covarde por não denunciar o Beto. Eu sabia que era a única coisa a ser feita, eu tinha esse dever, mas não queria perder tudo o que conquistei.

      Até ontem à noite, depois da apresentação, eu até estava inclinado em ir à delegacia, me abrir como um livro. Agora, tanto fazia. Pra quê? Pra todo mundo apontar o dedo pra mim e me julgar?

      Merda de vida.

      Olhei as notificações de mensagens na tela do meu celular, tinha mais de 2 mil. Coisa comum quando se faz parte de mais de dez grupos, a maioria de gays. Rapazes que nunca vi pessoalmente me pedindo nudes, outros dizendo oi, gato, quantos anos vc tem? , e aquelas coisas de sempre.

      Calmamente, apertei os botões sair e apagar grupo. Só fiquei no Bailarinos da Agatha Toller. 

      Léo dormia ao lado da Micaela. Rafa resmungou alguma coisa e voltou a dormir. Ana dormiu com Orgulho e Preconceito sobre o peito. Todos cansados. Nós, bailarinos, somos tidos como atletas de alta performance, incansáveis e fortes. Não é de todo exagero. Mas após cinco dias de competições, somos seres humanos cansados, como quaisquer outros.

      Olhei a foto da Danny no whatsapp, com uma mensagem de áudio.

      Oi, Vítor, tudo bem? Tô preocupada com você. Saiu sem falar comigo do teatro, fez aquela cara no bar, não me mandou mensagem... Eu te fiz alguma coisa?

      Eu podia ser grosso e descompensado. Mas não era de ignorar ninguém.

      No teatro conversamos, Danny. Não tô bem. Gravei a mensagem e enviei.  

      Me levantei, calçando um par de chinelos. Peguei uma toalha e outros objetos de uso pessoal, abri a porta. Tomei um banho rápido, escovei os dentes. Penteei o cabelo, e me sentei no pátio próximo ao refeitório.

      Acendi um cigarro. Sei que causa câncer, mas com um copo de café Três Corações, era o que matava minha ansiedade. 

      Não podia acreditar que era hoje. Que a Danny e eu dançaríamos Lago dos Cisnes. O balé clássico mais famoso, que comove pessoas de todas as idades. A Danny ficaria linda com o figurino de Odette, igual à mãe.

      Tinha que ser perfeito. Ela merecia muito, apesar de eu estar bravo. Mas eu tinha motivo pra estar bravo? Ela sempre foi transparente comigo. Só casualidades, nada que envolvesse comprometimento, e eu aceitei.

      Vítor Hugo, você está com ciúmes, eu disse a mim mesmo.

      Olhei o céu estrelado, da madrugada do interior, e imaginei que cada uma delas era uma bailarina. Imaginei a Danielle vestindo um tutu de Cisne Branco e girando fouettes, o passo que ela mais amava por ser lindo e desafiador. Linda. Sorridente. Tão cheia de vida.

      Expeli fumaça pelas narinas. Um dia esse vício me mataria.

      Foda-se.

      Então, alguém se sentou ao meu lado, me virei lentamente, vi Alice Chamowicz sorrindo.

      — É gostoso? — a ruiva de cabelo curtinho perguntou. 

      — Um dos piores vícios que existe — respondi.

      — Então, por que fuma?

      Devia haver uma maneira de explicar para a bailarina judia que por que você fuma não é uma pergunta relevante, e sim, por que você começou a fumar.

      — Vício é vício — dei de ombros.

      — Devia parar. Cigarro causa câncer.

      — Obrigado por se preocupar comigo — retruquei com ironia.

      Alice me surpreendeu, tirando o cigarro da minha boca. Amassou-o contra o banco de concreto onde estávamos sentados, jogou-o no cesto de lixo ao lado dela.

      — Pronto. Salvei sua vida — um sorriso travesso surgiu no rosto dela.

      Arregalei os olhos escancarando perplexidade  com a audácia da garota.

      — Quem é você pra se meter onde não é chamada? — elevei meu tom de voz em uma oitava.

      Ela cruzou os braços e franziu o cenho.

DanielleTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon