Capítulo 42

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          Danielle

      Meu collant estava todo grudado no meu corpo e não sei quantas vezes o puxei. Preciso perder essa mania, sério. Vítor Hugo bem que podia ter fingido que não viu. Quantas vezes ele deve ter reparado? 

      As aulas com a professora Teodora são muito puxadas, normalmente a gente sai da sala com dores nos músculos das panturrilhas que duram dois dias, mas gosto demais dela. Nicole se perdeu no tempo das rotações en dedan e en dehor, na ponta, em frente à barra, com as mãos apoiadas na mesma, e tomou da Teodora uma bela palmada no bumbum sob olhos compadecidos dos outros.

      Nicole é apenas um mês mais velha que eu, e na Letícia Ballet, é uma das melhores bailarinas, e também muito linda. Não sei se era por causa dos olhos de cores diferentes ou seu jeito brincalhão de ser, o certo é que todo mundo a amava. Nós duas somos as mais as mais flexíveis da nossa turma, e ela já estava chegando no meu nível, quase negativando o espacate.

      Essa era uma das premissas da nossa escola. Dar o máximo de flexibilidade e alongamento às suas bailarinas para que as mesmas tenham força, e saltem e girem com técnica e arrojo.

       Eu nasci com facilidades técnicas, e estas me permitiam fazer movimentos e executar passos que sempre faziam as pessoas ligadas ao balé se perguntarem de que planeta eu vim, de tão impressionadas elas ficavam com meus saltos e aberturas de pernas no ar. Mas o que era para me deixar envaidecida, acabava sendo uma pressão à mais, pra fazer no mínimo o sublime no palco, e isso nem sempre era possível.

      Uma vez competi em Marília, num festival de balé contemporâneo. Eu não queria ter ido, já que não era minha especialidade, mas como a Duda estava competindo na Itália — e claro que ela venceu — , Letícia me convenceu a ir. Como sempre, chamei a atenção pelo meu físico, posei para muitas fotos e dei entrevista para um jornal. 

      Vieram bailarinos de várias cidades, inclusive de uma escola de Houston. A escola era excelente, mesmo assim eu achava que poderia vencer. Nas aulas de coaching de variação e nas marcações de palco, prestei atenção numa bailarina negra, linda, que treinava quase sempre afastada das outras. O nome dela era Maya Andrews. A técnica dela era incrível, mas o que mais me cativou nela foi sua entrega e amor pela dança. A pretinha linda se transformava num cisne quando dançava, me fazendo lembrar a Duda. Eu dancei meu solo super bem, mas não o suficiente pra vencer a Maya, que dançou de forma sublime e conquistou o primeiro lugar. Eu fiquei em segundo lugar, e superfeliz de ter sido derrotada por uma bailarina super talentosa. Eu perdi para a melhor.

      O balé tem dessas coisas. Nem sempre ter um físico perfeito quer dizer que tu vai vencer. O que conta é a entrega, a sensibilidade e a determinação, e Maya me ensinou isso. Como boa perdedora, fiz questão de cumprimentá-la e trocamos elogios.

      Foi uma noite incrível.

Maya, a bailarina que derrotou Danielle

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Maya, a bailarina que derrotou Danielle

      Agora, na sala Alícia Alonso, eu estava tendo a honra de estudar com algumas das melhores bailarinas da Promoarte, simplesmente as top. Bom, nem preciso falar da Duda e da Antonella, né? Elas competiam fora do Brasil e venciam. Elas eram foda. Elas não tremiam num palco. 

      A Lupita ficou à minha frente na barra. Segundo a Teodora, a argentina de cabelo platinado estava no Brasil para um aprimoramento técnico, ou seja, para “limpar” seus passos.

      — Me encanta su en dehor. Es una buena danzarina — de repente ela disse, sem me olhar. 

      — Usted también no es mala. — respondi prontamente. — Sua piezos son muy guapos.

      — Hablas castellano?

      — Presupuesto. Y también habló inglés, romeno, frances y un poco di ruso — afirmei com orgulho.

      Ouvi um risinho afrontoso.

      Se não fosse tão arrogante e cheia de marra, seria perfeita. O en dehor dela era incrível e não perdia em nada para o meu, inclusive me deixou de boca aberta ao fazer um detiré encostando a perna na orelha sem mover um único músculo do rosto. Não é todo mundo que consegue fazer o que faço.

DanielleOnde histórias criam vida. Descubra agora