Capítulo 1

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          Vítor Hugo

      Eu não estava a fim de participar do Festival de Dança de Ribeirão Preto. O ano só havia começado, teoricamente era pra eu estar de férias, e além disso, Micaela e eu tínhamos um compromisso mais importante daqui a três semanas.

      Todo mundo ligado ao balé sabe o que representa o Prix de Lausanne. Minha partner e eu disputaríamos essa importante competição internacional e estávamos com medo de sofrer lesões e não poder realizar nosso sonho.

      Mas Agatha Toller, nossa professora, apresentou um contra-argumento que nos convenceu, dizendo que um curso de verão de duas semanas aconteceria logo após o festival da Alliance Produções Artísticas. E este curso seria dado pelos professores da Promoarte, simplesmente os melhores professores de balé da atualidade.

      Nossa companhia dividiria o alojamento com alunos de um estúdio da capital paulista, chamado Letícia Ballet. Os paulistanos só chegariam no dia seguinte e ficamos muito frustrados. Estávamos ansiosos para conhecer a Maria Eduarda dos Santos. Duda era considerada uma bailarina prodígio e fonte de inspiração para a nova geração de bailarinos por ser uma garota negra que superou a pobreza e estava encantando plateias con seu balé técnico, diferenciado. Seria uma honra pra nós vê-la dançando pela nossa produtora. Achávamos que ela ganharia tudo, restando às outras bailarinas se contentar com o segundo e o terceiro lugar.

      Eles chegaram no segundo dia de competições.

      Enquanto nos aquecíamos para a aula, os tais alunos, que todo mundo dizia serem a elite do balé paulista, entraram um atrás do outro. Logo de cara olhei para um garoto alto, de cabelo louro escuro e olhos verdes, com uma franja caída nos olhos. Ele tinha um porte metido e belas formas, realçadas pela calça preta justa.

      As meninas também eram bonitas. Uma delas era ruiva, de cabelo curtinho, também com franja, alta, e com uma bunda grande e perfeita. Outra era a Duda, a estrela do estúdio deles. Era a única bailarina negra da sala e também a mais bonita. A última garota era tão linda quanto as outras duas. Cabelo castanho claro, covinhas no rosto, e com uma curiosa peculiaridade; um dos olhos dela era azul e o outro, castanho.

      As três tinham porte altivo e elegante, coisa normal em bailarinas clássicas.

      — Bom dia, classe! — a voz grave da professora Manuela quebrou o silêncio.

      Virei a cabeça e troquei um olhar cheio de malícia com o garoto de franja, que insinuou um sorriso. Olhei para a Micaela. Uma risadinha irônica saiu de sua boca.

      — Você não tem jeito, Vítor Hugo — ela disse.

      Dei de ombros. Nunca tive nenhum problema em gostar de meninos e meninas. Bissexual assumido, sexo, para mim, era uma coisa natural, e achava tão idiota as pessoas terem rótulos, que estes só deveriam existir em potes de molho de tomate.

      Micaela Miastkovisky não era apenas minha partner e amiga. Transamos muitas vezes e tivemos uma química muito legal no passado. Nossos pais eram muito amigos, se visitavam com frequência. Porém, ela ficou esnobe desde que conquistou o status de Primeira Bailarina da Alliance.

      — A vida é uma só, por isso tenho que aproveitá-la — retruquei.

      A linda morena de olhos verdes deixou escapar um grunhido, que por sorte não foi ouvido pela professora.

      De repente ouvimos batidas na porta e a professora atravessou a sala após fazer um gesto de interrupção, murmurando irritada. Olhamos para a porta em expectativa.

      Me perguntei quem ousaria chegar atrasado à aula da Manuela Almeida, uma das mais rígidas professoras de dança clássica, conhecida por não tolerar nem mesmo cinco minutos de atraso.

      — Posso entrar?

      Então, eu a vi pela primeira vez.

      Uma garota loura, de olhos azuis claros, nariz arrebitado e boca carnuda. O rosto dela era cheio de sardas, a pele branca como porcelana. Ela era simplesmente linda, de uma beleza que nunca vi numa moça antes.

      Linda era pouco. Perfeita, não apenas por causa do rosto, mas pelo corpo. Com certeza era a bailarina mais alta da classe, talvez com quase 1,80 de altura, pernas compridas e finas e pescoço longilíneo.

      Gata demais.

      A garota caminhou graciosamente para o outro lado da sala, com uma postura altiva, e se posicionou atrás da Duda. O tipo de beleza dela era de garotas que estampavam capas de revistas como a Ballet Ilustrated.

      O corpo da loura de sardas tinha poucas curvas, bumbum e seios pequenos, devido a anos de rígido treinamento até que chegasse às proporções exigidas de uma bailarina clássica. Para o balé, era uma mulher vitruviana. A bailarina de proporções perfeitas.

DanielleWhere stories live. Discover now