DanielleSempre me perguntei como seria minha vida sem o balé. Por mais que eu pensasse, não conseguia me imaginar fazendo outra coisa que não fôsse dançar. Talvez porque eu tivesse a dança não só no sangue, mas também na alma. Como mamãe sempre dizia, eu nasci bailarina.
Não tinha outra coisa senão esse mundo de sonho que pudesse me completar como pessoa e me fazer feliz. A dança era parte de mim.
Ser bailarina muitas vezes significa abrir mão de uma adolescência normal, como passeios com a família, com os amigos, viagens. Na verdade, eu viajava muito, mas para cidades onde eu disputava competições de dança, e me hospedava em hostels de apenas uma estrela ou em estalagens precárias, do tipo que a gente não quer lembrar.
Porém, esse era o meu mundo, a minha vida, e eu não trocava por nada, porque ser aplaudida em pé e ter meu nome gritado por pessoas que eu nunca vi, mas que se sentiam tocadas pela minha dança, eram coisas que pra mim não tinham preço.
Ainda bem que depois de uma temporada exaustiva, tivemos as merecidas férias. As últimas semanas tinham sido bem legais e muita coisa aconteceu.
Meu pai me deu de presente de aniversário de quinze anos uma festa temática incrível, em que me caracterizei como a Sailor Moon. Quem me produziu e maquiou foi minha prima Stefany, à pedido de papai, e todo mundo que veio disse que eu fiquei muito gata de saia colegial curta e botas.
Toda a família Răducanu assistiu e ganhei muitos presentes, como botas, camisetas, um diário de bailarina e calcinhas com mensagens bem provocantes, inapropriadas para garotas de apenas quinze anos. Stefany é super criativa e me sinto bem quando estamos juntas, porque ela é alegre e brincalhona. Bem diferente de mim.
Foi um dos momentos mais felizes da minha vida, que eu guardei nas muitas fotos que tirei com meus primos, meio romenos, meio brasileiros como eu. Mas também melancólico, porque me lembrei da minha mãe, e sem suportar a saudade que eu sinto dela, me debrucei na minha cama e deixei minhas lágrimas caírem.
Aproveitei as férias para visitar meu tio Radu e a esposa, Mayra, que moram em Ibiúna, e passeei de cavalo com minhas primas Alina e Simona. Meu pai também tem uma casa de veraneio no Condomínio Veleiros de Ibiúna, sempre vamos pra lá quando não estou competindo. É um lugar tranquilo e bonito.
Nossa família se reuniu novamente no Natal. Como somos ortodoxos, comemoramos o Crăciun Ferecit no dia 7 de janeiro, e foi isso que atrasou nossa vinda para Ribeirão Preto em um dia. Ninguém queria me deixar pra trás.
Pra ser sincera, eu não queria ter vindo. Nada contra a Alliance, que era uma boa produtora, mas pôxa, era começo de ano. Se fosse possível, queria ter viajado com alguns amigos para a praia, mas Letícia era persuasiva e me convenceu a participar do curso. Me obrigou, esse é o termo correto.
Chegamos muito cedo em Ribeirão Preto, às cinco horas. Viemos na van de seu Eduardo, que é um amorzinho de pessoa, quase um pai para todos nós, e ele nos deixou numa padaria próxima ao teatro onde dançaríamos, e de frente para a escola que seria nosso alojamento.
Depois de tomar um café leve, deixamos parte da nossa bagagem na escola e fomos para o colégio particular onde seriam dadas as aulas e coaching de variação.
A canção da Fada Açucarada do meu celular tocou enquanto eu vestia o collant e calçava minhas sapatilhas de ponta. Era a Stefany, querendo saber como eu havia chegado. Respondi brincando que cheguei de van. Conversar com minha prima foi tão legal, que quando me dei conta, a aula tinha começado.
— Beijo, Stefany. Tô atrasada pra aula — amarrei os laços de cetim rapidamente e ajeitei o collant por trás (ok, é um péssimo hábito, mas é meu), sai correndo para a sala Ana Pavlova.
Nada como começar o ano com o pé esquerdo. Além tomar um puxão de orelha da chata da Manuela, fui olhada da cabeça aos pés pelas meninas.
Bosta! O que tinha de errado em ter um corpo perfeito para o balé clássico? Todo mundo reparava em mim, sempre.
Era como se eu ser uma bailarina en dehor, que consegue uma abertura perfeita de pernas desde o fêmur, fosse uma provocação para elas.
A Duda também não ajudou em nada. Por que ela tinha que falar para toda a classe que eu era filha da Françoise? Tudo bem que ela queria ajudar, mas agora eu chamaria a atenção aonde quer que fosse.
Pelo menos eu havia conhecido um cara legal. O garoto com quem há quase meia hora treinei pirouettes. Vítor Hugo.
Ele era muito gato, por que negar? Coxas musculosas, abdôme definido, e uma técnica de dança que me deixou boba. Notei que o garoto meio que acompanhava cada gesto, cada movimento que eu fazia, principalmente quando eu arrumava meu collant por trás, que “entrava” cada vez que eu descia em souplesse. Como não uso calcinha, isso acontece sempre.

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Danielle
RomancePara Danielle, nada é mais importante do que o balé. Seu sonho é dançar nos maiores palcos do mundo e superar sua mãe, a lendária Françoise Shushunova, o Cisne Branco, um mito da dança clássica. Durante uma competição de dança em Ribeirão Preto...