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Any Franco.

Desço a alameda que dava no escritório da editora. Os tênis de corrida não estão mais tão confortáveis quanto há alguns meses atrás e isso me dá uma leve suspeita de que talvez seja as imensas quantidades de batata frita que a Sabina comprava quando estávamos ansiosas demais com o prazo de algum lançamento. Não sinto vontade de fumar hoje. Na verdade, não sinto vontade de por um cigarro entre os dentes há uma semana, desde o grande acontecimento do beijo - que ainda me deixa arrepiada quando passa pela minha cabeça como um raspão despretensioso. 

A neve já cai aos poucos e sinto muita falta do meu casaco ao redor do meu corpo me deixando quentinha. Passo os dedos pela ponta dos meus cachos sorrindo ao senti-los tão presentes quanto antes e talvez isso seja um sinal. Um sinal sobre a minha vida, sobre o meu trabalho, ciclos e até mesmo relacionamentos.

Talvez.

- Bom dia, senhorita Franco - o porteiro que trabalha no sábado me cumprimenta com a fala e um sorriso tão gentil que sinto vontade de abraça-lo. Sorrio de volta, acenando com a cabeça como quem diz "Bom dia" e entro na imensa empresa.

Sabina, como sempre, já está esperando sentada no seu escritório que fica de frente para o elevador. A porta escancarada deixa bem claro por quem ela estava esperando tão ansiosamente e isso se comprova quando a sua atenção muda drasticamente para a frente quando o alarme do elevador sinaliza que alguém acabou de chegar. Cumprimento a equipe, que muda a postura ao me verem - Charlie me disse que tinham medo de mim, o que é ridículo. 

- Atrasada - sem um "Bom dia minha vida!" ou um "Bom dia querida!". Apenas um "atrasada" bem alto soando pelos meus ouvidos. Tinham que ter medo da mexicana, não de mim - Precisamos resolver a lista de fornecedores hoje e daqui a meia hora temos uma reunião super importante com a editora... - ela para de falar recaindo sobre mim como se fosse a primeira vez que me visse - Veio andando?

A encaro confusa. Como ela sabe? Só falta ter uma vidente na minha vida agora.

- Vim - dou de ombros indo pra minha sala - Por que a surpresa? - pergunto procurando a pasta de organização que eu tinha feito ontem exatamente para os fornecedores.

- Nunca mais te vi saindo fora daquele carro - diz com o rosto sereno, mas o tom de voz ainda é surpreso o que me dá vontade de ri - Além disso, o seu cabelo está todo branquinho como o de uma velhinha - aponta me fazendo por rapidamente a mão sobre os fios espantando os flocos de neve que devem estar espalhados por toda a minha região capilar. Reviro os olhos suspirando, mas acabo rindo fazendo com que Sabina ria também.

- Senta aí - peço abrindo as cortinas para um cenário de um parque. Tenho vontade de sentar em um daqueles banquinhos, enquanto observo a neve caindo como folhas secas no outono - Eu faço 25 anos daqui alguns meses e você 26 - digo de repente em uma reflexão esquisita - Não é estranho pra você essa sensação de já ter vivido umas três décadas? - pergunto me virando para olhar a morena que tem os olhos presos no chão.

- É. Demais - responde em um murmúrio - Sabe, eu não me sinto tão mal com isso - revela me deixando surpresa - Eu sempre vivi como quis, me envolvi com quem quis, tenho amigos que considero eternos e uma vida agradavelmente abastecida de dinheiro e sexo - a última informação me faz ri - E você?  

Olho pra ela com certa tenacidade. Ela sabe o que eu sinto, mas mesmo assim precisa ouvir de mim. Precisa que eu deixe claro como a minha vida poderia ser se eu tivesse tido um pouco mais de coragem e pensamento egoísta. Brinco com o meu anel de namoro que ainda está preso no meu terceiro dedo quando sussurro: - Não sei. Eu sinto que quanto mais penso nisso, mas deprimente fico - revelo e deveria ser uma sentença divertida, mas não não há sorrisos da parte dela e nem da minha.

Sabina abre a boca para dizer alguma coisa, mas acaba sendo interrompida pelo toque do telefone. Peço que ela atenda, enquanto vou pegar algumas caixas cheias de documentos debaixo da estante. É ridículo ter reflexões tão idiotas e tão cedo, como se eu pudesse morrer daqui a duas horas - o que relativamente eu posso...

- Como? Josh Beauchamp aqui? - O que? Solto um gritinho agudo me levantando rápido demais tendo um choque com a madeira maciça. Faço que não com as mãos rapidamente, enquanto sinto estrelas na minha cabeça - Pode liberar a entrada - diz como se não me visse. Arregalo os olhos e a dor passa, porque a minha cabeça só está concentrada em "Preciso fugir".

- Ele está subindo, então deixe esse cabelo direito viu? - Arregalo os olhos e ela ri como se fosse nada demais dando leve batidas na minha cabeça - Certas vezes precisamos enfrentar os nossos medos de frente - diz filosófica, o que me deixa com vontade de joga-la contra a parede. Idiota.

- Não acredito que você simplesmente o deixou entrar! - dou uns gritinhos infantis no final que a deixa com um ar engraçado diante da surpresa - Sabina, não sei se consigo fazer isso de novo - ando em círculos pelo tapete. Ela segura os meus ombros me parando e sei que o seu rosto deve estar sério pra caralho, por isso não a encaro - Ok, vou ser madura.

- Não quero que você seja madura, idiota - o "idiota" me faz revirar os olhos - Quero que seja a menina descontrolada e impulsiva de 18 anos que mandou mensagens anônimas para o professor de literatura - acabo rindo. Que sensação ótima.

Dois leves toques na porta me deixam paralisadas. Ela faz um sinal para que eu respire fundo e é isso que faço, enquanto escuto o salto dela batendo no carpete que é caminho para a porta. Nem estou mais respirando quando ela a abre revelando o cara alto com cachos loiros e olhos azuis. Eles se cumprimentam e, por Deus, Sabina parece uma aluna do terceiro ano quando vê como o professor da matéria que ela sempre tirava 2 estava.

- Fique a vontade - abre ainda mais a porta. O olhar dele recai sobre mim e fico vermelha. Aquilo vai ser horrível - Vou pegar café, viu? Pode sentar - instrui puxando a cadeira para que ele sente o deixando sem graça. Ela me olha atrás dele e por leitura labial sopra um 'Uau! Ele é um gostoso". Vou mata-la. É isso.

Estou do outro lado da mesa com os braços estendidos parecendo uma boba. Josh encara o chão e depois o teto e depois me olha esperando alguma coisa de mim. Talvez um "bom dia"?

- Oi - solto sem pensar e pareço ridícula.

- Oi - ele parece uma criança rindo da situação, mas sei que deve estar nervoso por dentro pela forma como os seus pés repetem tapinhas descabidos no tapete - Queria falar com você sobre uma coisa importante... - cruzo os dedos - O aniversário da Kim é daqui a dois dias e ainda não pensei em nada tão grandioso e não sei, quis pedi a sua ajuda - aquilo me pega de surpresa. Não tenho resposta, nem ensaio. Não sei como me comportar naquela conversa.

- Ah - eu sei que pareço uma idiota, mas ele fica espetacularmente lindo vestindo aquela blusa preta de mangas compridas - Isso é inesperado - revelo o óbvio e ele concorda com um aceno de cabeça - Mas por que?

- Por que o que? 

- Por que você está me chamando pra te ajudar? - será que ele esqueceu do beijo? Será que as coisas são tão rápidas pra ele? Fico com raiva, mas não quero que ele perceba.

- A sua presença pra Kim é importante. Se conhecem há um tempo já e eu sinto que você sempre sabe mais sobre ela do que eu - a explicação me pega de surpresa e preciso me sentar para poder processar. O encaro em uma avaliação eterna - Nós dois gostaríamos que participasse disso - o "nós" faz borboletas passearem pelo meu estomago.

- Isso seria incrível - murmuro sabendo que o seu olhar está sobre mim - Obrigada por pensar em mim pra isso - digo me aproximando mais sentindo o calor da mão dela sobre a minha.

- Obrigado por aceitar senhorita Franco - a forma de tratamento me faz ri.

- Disponha senhor Beauchamp.


My Teacher  - Beauany 2TempOnde histórias criam vida. Descubra agora