02. Memória debilitada.

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Abri a boca para responder ao médico, porém, antes que o fizesse, o som do meu telefone, indicando chamada soou. O recolhi no mesmo segundo, pedindo licença a ambos, que assentiram e prosseguiram com o assunto sem mim.

- Alguma coisa? - Perguntei ansiosa, me encaminhando para um dos cantos vazio do local.

- Os resultados chegaram. - Dinah respondeu depois de encerrar o assunto com alguém que deveria estar em sua companhia do outro lado da linha. - Se vocês já estão achando tudo isso estranho, se preparem para o que vão ouvir quando chegar no hospital.

Não vou dizer que o que ouvi me surpreendeu, porém instigou ainda mais minha ansiedade por aquele caso, por aquela mulher, por aquele corpo.

- Estamos a caminho. - Avisei antes de desligar a chamada e regressar o caminho até minha companheira. - Hal, temos que ir, os resultados dos exames chegaram.

A policial assentiu, se despedindo do médico legista para seguir meus passos até o carro novamente de forma apressada. Creio que ela estava tão nervosa quanto eu perante a isso, uma vez que, desde que chegara no departamento, a aproximadamente 5 anos, aquele trabalho também era sua vida, e esse era nosso maior caso.

Por mais que Halsey claramente vivia mais do que eu.

As ruas não estavam movimentadas nesse horário,  como sempre, e cruzando todos os sinais vermelhos que encontrávamos, conseguimos alcançar o hospital em cerca de vinte minutos.
Dinah nos encontrou na porta, e nos levou até uma das salas que estava sendo usada exclusivamente para o já tal situado "Caso L.K".

Os corredores estavam cercados de médicos e enfermeiras passando para lá e para cá com pacientes ou papéis em mãos, ambos completamente focados no que faziam.

- Por aqui. - Dinah indicou, abrindo a cortina esverdeada da sala 727, dando-nos visão da única pessoa dentro dela, analisando algumas imagens na grande tela fixada na parede. - Dr., elas chegaram.

O homem de jaleco cumprido e óculos de grau nos cumprimentou com um aperto de mão, e pediu alguns segundos para reorganizar os papéis em suas mãos, tal ato que ele o fez com prontidão.

- Bom, a Srta. Jane deve ter avisado que o exame toxicológico chegou. - Se pronunciou inicialmente, fazendo ambas de nós concordarem. - Vocês conhecem o inibidor PKMzeta, mais conhecido como PIZ?

O som da breve risada nasal de Halsey surgiu, seguido de uma negação em um gesto com a cabeça.

- Nós temos opiniões diferentes sobre "conhecido", Dr. - Explicou sua reação, verbalizando o que todas nós queríamos dizer. - Explique direito, por favor.

- Proteína de Interação Zeta. - Ele respondeu como se isso fosse esclarecer todas as nossas dúvidas, porém logo se repreendeu ao notar nossas expressões confusas. - É uma droga experimental para tratar pacientes com Tept; vítimas de estupro... ex-soldado da guerra... - pontuou. - Usada parcimoniosamente, ela pode cancelar memórias seletivas.

- E achou algum traço disso na mulher? - Perguntei, cruzando meus braços abaixo dos seios, como se isso fosse me ajudar a compreender melhor toda aquela situação.

- Não. Não só traços. - Franzi o cenho, e ele apontou para uma imagem na tela. - O sistema sanguino dela está lotado disso. Nunca vi nada igual!

O Dr. exclamou, para então, caminhar até a outra extremidade da sala em passos apressados, e logo em seguida, abrir a cortina que dava acesso limitado à outra sala, revelando a mesma mulher do lago por trás do vidro transparente, porém, ainda assim levemente embaçado.
Ela estava sentada em uma maca, mirando algum ponto do branco da sala com seus olhos visivelmente claros e vazios. Seus fios de cabelo molhados caíam de forma desgrenhada sobre seus ombros cobertos pelo vestido do hospital, e seu corpo tremia de forma sutil, indicando o frio que sentia.
Ela parecia ter sido drogada.

- Meu Deus... - pensei alto, boquiaberta com aquela cena.

- Isso criou um estado induzido de amnésia permanente. - Ele completou, me deixando ainda mais pasma. - Ela não se lembra quem é ou de onde veio. Nada antes de acordar naquele lago.

Estaria mentindo se dissesse que meu coração não se apertou com isso, por mais que tenhamos sido treinadas para bloquear este tipo de sentimento quando o assunto é algum caso. Mas... Como se manter indiferente perante a isso?! Minhas companheiras pareciam sentir o mesmo que eu.

- Temos que levá-la para delegacia para fazermos testes. - Halsey se pronunciou, com o tom de voz indicando preocupação, como eu já imaginava. - Eu não sei que merda é essa, mas o bilhete deixa claro que ela é uma assassina. Quem não garante que é a culpada por esse?!

- O quê?! - Dinah esbravejou do outro lado da sala. - A gente não pode criar provas a partir de um bilhete que ninguém sabe de onde veio!

- Você por um acaso sabe da onde essa mulher veio também?!

Ok... vai começar.

Dinah e Halsey se davam muito bem, não é atoa que éramos o melhor time do nosso departamento. Porém, como ambas passavam mais tempos juntas,as discussões se tornavam inevitáveis.
Claro, isso nunca chegou a abalar nossa relação pessoal ou profissional, mas ouvir uma dessas era comum na minha rotina. Chegava até mesmo a ser engraçado.

- Chega vocês duas! - Exclamei, me virando para elas. - Halsey está certa; temos que levá-la para confirmar se realmente não se lembra de nada. Não podemos arriscar. - Como esperado, Dinah se frustou de um lado, e Halsey se glorificou de outro. - Agora o bilhete é um caso a parte; não podemos tirar conclusões antes de puxarmos a ficha criminal dela por meio de uma digital, reconhecimento facial ou algo do tipo. - As reações se inverteram, e eu suspirei fundo. - Vamos, não quero perder tempo, isso já está estranho demais.

Agradeci ao Dr. pela recepção e passei por minhas companheiras, que depois de murmurarem algo uma pra outra, me seguiram.

Retiramos a mulher com a ajuda de alguns enfermeiros, e durante todo o percurso de ida até a delegacia, ela não deu um pio se quer, o que foi completamente diferente do que eu pensei. A mesma, vez ou outra, vagava seu olhar rapidamente por cada detalhe da paisagem onde passávamos, como se estivesse em uma luta desesperada consigo mesma para se lembrar de algo, mas não dirigiu a palavra a nós em nenhum momento, mesmo que Halsey e Dinah tentassem fazê-la dizer algo sempre que podiam.

E em um dos seus momentos desesperadores de busca, seu olhar trombou com o retrovisor do carro, e consequentemente comigo. Não consegui resistir à tentação de mira-la através daquele reflexo, tentando enxergar por trás dos pares frios, vazios e esverdeados, tentando desvenda-la.

Não preciso dizer que foi uma missão falha, mas ao menos, uma coisa eu descobri pela forma que segurou meu olhar; seja quem for essa mulher, ela não aparentava estar com medo.

Lake KillerOnde histórias criam vida. Descubra agora