CAPÍTULO 82

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Sorri em cumprimento para Samuel, quando o mesmo entrou, fechando a porta atrás de si.

- Senta- apontei para a poltrona ao meu lado.

- Não, muito obrigado, senhorita. - respondeu, forçando um sorriso.

- Como posso ajudar você?- perguntei com a voz calma.

Samuel engoliu em seco e se aproximou da cama, e percebi seus olhos inchados.

- Eu só queria ver se a senhorita estava bem e... - parou de falar, respirando fundo.

- E...?- o incentivei a continuar, depois de um tempo em silêncio.

- E falar sobre Ana, o corpo... - sua voz falhou, e Samuel desviou o olhar para o chão quando seus olhos brilharam com lágrimas- eu a enterrei. E como a senhorita era muito próxima da Ana e ela não tem família, achei que gostaria de saber...

Continuei a encarar Samuel, conseguia sentir a tristeza em suas palavras. Eu não havia pensado muito no corpo de Ana, fiquei com medo de perguntar e falarem que foi cremado ou jogado em qualquer buraco...

- A enterrei no cemitério das flores, acho que ela gostaria de descansar lá... Uma vez me disse que amava flores e que passaria o dia deitada em volta de várias se pudesse.

- Parece ótimo- sorri triste.

- Era só isso, desculpe o assunto, mas eu achei certo comunicar a senhorita, caso queira visitar.- coçou a nuca, mas não fez menção de se mover.

- Muito obrigada, Samuel.

Passaram-se alguns segundos antes que nós voltássemos a falar, ficando  compartilhando o silêncio do luto, dedicando um tempo a pensar na delicada Ana, que amava flores e dias de sol. Mas que nunca pode ter dias assim, porque sua vida nunca foi fácil, porque nunca permitiram que ela amasse flores e dias de sol...  E pensar que ela nunca mais veria flores e sentiria o sol, era a parte que mais doía.

- Eu ia pedir ela em namoro. - Samuel quebrou o silêncio, soltando uma risada triste.

Pensei em dizer que Ana teria aceitado, mas não acho que deveria responder por ela, mesmo que eu não tivesse duvidas disso. 

- Não é justo... - Samuel sussurrou antes de erguer os olhos marejados para mim. - Não é.

- Eu sei. – murmurei, engolindo o nó em minha garganta.

- Me dói, mais que tudo, saber que ela viveu com tanta solidão e tristeza, e que quando finalmente... –uma lágrima solitária escorreu por seu rosto- quando finalmente ela parecia feliz, quando fez amigos tão bons quanto você e Osten, perdeu tudo. E eu nem estava lá para impedir, Luna. Eu havia prometido a ela que não a abandonaria e que iria protegê-la... Cheguei tarde demais.

- Você não pode fazer isso consigo mesmo, Samuel- o mesmo me encarou, negando com a cabeça- Ana não iria querer que você se sentisse culpado. E acredite, essa dor, culpa, um dia vai passar e você não vai mais chorar ao pensar nela, porque vai entender que isso não vai trazê-la de volta, não vai te fazer bem... Um dia, amigo, você vai se permitir sorrir ao se lembrar da amiga incrível que teve. Da mulher forte que seria capaz de salvar o mundo, e que partiu deixando em nossos corações, o amor e carinho, a calma e humildade que faziam parte da sua essência.

Samuel estremeceu quando um soluço escapou de sua boca.

- Você acha mesmo, Luna? Tem certeza?- perguntou com a voz embargada, massageando o peito com o punho, como se aliviasse a dor que sentia alí. - É que tá doendo tanto, parece que nunca vai passar... Eu a amava tanto.

Afastei os lençóis que me cobriam e fiquei de pé, puxando Samuel para um abraço. O mesmo não protestou, apenas apoiou a cabeça em meu ombro.

- Às vezes eu penso que deveria ter lhe dado flores quando tive a chance, tê-la chamado para dançar nos bailes, ter segurado sua mão quando tive vontade... – outro soluço escapou de sua garganta e lágrimas desceram por meu rosto ao sentir a sua dor. - Eu deveria ter aproveitado, Luna. Mas tinha medo, vergonha e inseguranças demais...

Permaneci em silêncio o abraçando e ouvindo. Sabia que ele não precisava de palavras elaboradas, ou coisa do tipo, mas apenas de um abraço da pessoa em que talvez sentisse uma dor parecida com a sua, conversar com alguém que o entendesse...

- Não se martirize, amigo. Não tente fugir do que aconteceu criando um mundo paralelo, onde você seria diferente, faria diferente. – disse baixo- Porque esse não seria você, e Ana não iria preferir um personagem... Não seriam vocês.

- Quando para de doer, Luna?

- Nunca. Mas só você pode decidir se essa dor vai ser frequente e aguda, ou inabitual e cicatrizada. Só você.

A dois anos atrás eu não faria a mínima ideia de como ajudar Samuel, o que dizer. Acho que apenas choraria e entraria em pânico sempre que estivesse sozinha, porque naquela época eu ainda não havia deixado a dor de lado, eu ainda a segurava e não me permitia abandoná-la. Agora, quase três anos depois, talvez pelas experiências que tive, as dores que senti e aprendi a entender, eu  havia finalmente encontrado paz o suficiente para ajudar Samuel. Encontrei paz o suficiente pra não deixar mais essa dor me sufocar. E sentia orgulho de mim mesma por isso.

- Não sei se consigo. - murmurou.

- Um dia vamos conseguir, Samuel. Já estamos conseguindo.

Me afastei o suficiente para sorrir para Samuel, ficando feliz por ele devolver o mesmo sorriso; de esperança e acolhimento.

Continua...

Eae, kiridus!!

"...Que eu deveria ter lhe comprado flores e segurado sua mão
Deveria ter lhe dado todas as minhas horas quando eu tive a chance
Ter levado você a todas as festas, porque tudo o que você queria fazer era dançar..."
(Trecho traduzido da música "When I Was Your Men", Bruno Mars. Foi minha inspiração pra escrever✌🏼)

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📷@nick.riosss

Obrigada por ler, até ♥️

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