Capítulo Oito

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— Não tem outra maneira.

Levanto da cama decidida. Pensei e pensei a tarde inteira, quase fiquei com dor de cabeça de tanto analisar os prós e os contras de embarcar numa nova jornada onde sou obrigada a esconder coisas da minha mãe.

Apenas eu sei do meu esforço para entrar na Yonsei, sempre foi um sonho meu e também de mamãe, entrar nessa universidade tão prestigiada. Estudei dia e noite, dediquei tempo, lágrimas e suor em cada atividade, a cada hora revisando assuntos todos os santos dias. Para agora perder uma oportunidade de ganhar uma boa pontuação por me recusar a realizar um simples trabalho de organização. Não posso e não quero ter chances de reprovar, sou bolsista e meus esforços em relação aos alunos que podem pagar a mensalidade é muito maior. Não posso me dar ao luxo de recusar nada que me propuserem academicamente.

Arranco uma folha lilás do meu caderno dos Smilinguidos, uso essa marca desde criança e talvez seja por isso que eu tenho um carinho tão grande por formigas. Pego uma caneta preta e coloco os dois itens dentro da minha Bíblia lilás. Tenho uma pequena coleção delas e hoje decidi escolher essa.

Organizado o que vou precisar, deixo de lado e vou tomar banho. A primeira coisa que me deparo são as minhas cicatrizes, a das costas é muito feia e enorme, espero que um dia desapareça sozinha. Desvio a atenção delas e das lembranças ruins que me trazem e continuo meu banho.

Como hoje é segunda-feira, noite de doutrina, uso algo "despojado." Diferente do que normalmente uso nos cultos de domingo. Digamos que é mais desleixado, não vai tantas pessoas e o pouco que comparece tem o costume de ir "bagunçado''. Para quem é de fora da igreja, não deve notar muita diferença. 

Com um coque e os fios baixos por conta do creme de pentear que coloquei, estava pronta. Calcei minhas sandálias e esperei pelos meus pais na sala, que não demoraram.

A cada passo a caminho da igreja meu coração se acelerava, estava ansiosa do que trocas de cartas com Taeyong pudessem me causar. Minhas mãos soavam frio mesmo que eu tentasse enxugá-las de vez em quando, sempre disfarçando. A minha mãe parece sentir no ar quando estou nervosa.

Chegando ao meu destino, espiei de canto de olho para as bancas ainda vazias da entrada do templo. Percebendo que ele ainda não havia chegado. Talvez tenha dado para trás? Sorte a minha se ele desistiu.

Como os meus pais têm o hábito de chegar cedo nas segundas-feiras ou quem sabe todos os dias de culto, sou obrigada a ficar de joelhos em oração até algum membro da igreja escalado para dar a palavra, tocar um pequeno sino avisando que já podemos nos levantar. 

Vários minutos depois, ao soar de um sino pequeno, todos os fiéis se levantam. A primeira coisa que faço depois de me sentar é olhar para trás para ver se meu colega de trabalho já havia chegado e recebo um pequeno sorriso quando meu olhar encontra o seu. Não consegui corresponder, estou aflita o bastante para congelar todos os meus músculos faciais.

Esse plano é de muito risco, algum membro da igreja pode nos ver juntos e contar aos meus pais ou mesmo os meus pais podem pegar a gente em flagrante. Mal podíamos trocar olhares como sinal de "vamos" por conta de minha mãe que estava com um olho no pastor e outro em mim.

A tensão apenas aumentava, eu não podia olhar para trás, para saber se ele já estava me esperando. O tempo passou, e minha ansiedade foi descontada em minhas unhas já pequenas. Não sobrando mais nada para roer, tenho uma pequena ideia… finjo olhar para a hora na parede da igreja aproveitando desse modo para observar as bancas vendo que Taeyong não está mais lá. Essa é minha deixa. Pior que não sei se ele saiu a pouco tempo ou não… acho que vou esperar mais um pouco… e se ele perder a paciência por deixá-lo plantado? É melhor eu pedir logo permissão para ir ao banheiro. Não sei vão me conceder, a pregação ainda não terminou e normalmente os dirigentes não deixam ninguém sair antes do membro escalado terminar sua parte. Perguntei sibilando esperando que a minha dirigente consiga entender o que eu estou dizendo, ela está meio distante de mim. Acostumada com nossos pedidos fora de hora, ela entendeu quase imediatamente que eu estava querendo ir ao banheiro. Ser uma garota quieta que nunca deu trabalho para os meus dirigentes me concedeu um passe livre para ir num pé e voltar no outro. 

Sem ao menos olhar para trás eu segui meu caminho até o banheiro feminino. Sou interrompida de chegar ao meu destino quando sinto alguém segurar em minha cintura me puxando para o banheiro masculino e antes que eu pudesse gritar minha boca é tampada e num confronto perdido me vejo dentro de uma cabine com Taeyong. Não sei se fico aliviada ou desesperada por ser ele.

— Você está com o que na cabeça? No banheiro masculino!? — Tento me afastar dele, mas sou posta numa realidade onde não há quase espaço nenhum para me mover.

— Fala baixo — ele põe a mão em minha boca novamente, se aproximando mais de mim enquanto eu tentava fazer o oposto.

O espaço é tão pequeno dessa cabine que mais um passo dele e nossos corpos ficariam totalmente colados. Meu deus… eu tenho que sair daqui!

— Aqui dá pra conversar, lá no corredor podemos ser vistos por alguém ou até sua mãe. Você não quer isso, quer?

Balancei a cabeça em negação, ele ainda estava tampando minha boca e quando se fez total silêncio consegui ouvir a minha respiração. Ela estava acelerada no mesmo ritmo de meu coração que dava a impressão de que saltaria do meu peito. É a primeira vez que experimento algo assim, é a primeira vez de muitas coisas aliás… como por exemplo: está numa cabine com um homem, nossos rostos a centímetros insignificantes, nossos corpos compartilhando quase o mesmo espaço e calor. Queria poder dizer que repudio com todas as minhas forças essa situação, porém algo dentro de mim está gostando, está se formigando e meu estômago tem um enorme ventilador. Ao contrário de mim, Taeyong está tão calmo, como se a situação atual não lhe fosse estranha.

Lentamente sua palma foi desgrudando dos meus lábios.

— Eu trouxe o bilhete pra você, na hora que terminar o culto, você deixa alguns papéis cair perto da minha moto, recolhe disfarçando e deixa só o que é pra mim — ele me dava as instruções baixinho, afinal a qualquer momento alguém ou melhor, algum homem poderia entrar aqui.

Eu prestava atenção nos seus lábios mexendo a cada palavra, seu piercing é tão atrativo… quero dizer, chamativo… eu nunca vi algo semelhante. Pergunto-me se esse negócio com corrente doeu na hora da aplicação e se ele sente alguma coisa quando alguém o toca.

— Você entendeu o que eu disse? — Ele parecia perceber que eu estava um pouco absorta.

— Hunrum. —  Respondo num murmuro.

— Você tem muito o que aprender pra poder escapar dos seus pais e eu sou a pessoa mais indicada pra te ensinar — o canto de sua boca se levanta, convencido.

Em resposta revirei os olhos. Que ideia boba a dele, me tornar uma rebelde sem causa quando sou uma cristã devota a minha religião e igreja. Jamais vou seguir os seus passos, seus conselhos de fariseu.

Oh não… o que eu temia aconteceu e meus olhos foram intencionalmente arregalados quando minha audição captou muito bem o som de ranger de uma porta. Um homem acabou de entrar. Aqui. Onde estamos. Se ele olhar para baixo vai notar que mais de uma pessoa está ocupando uma das cabines e a segunda pessoa é uma mulher. O escândalo que vai ser… vão pensar que a gente estava de namorinho.

Não sabia como deveria reagir e apenas assisti com os meus olhos lacrimejando, Taeyong fechando a tampa do vaso e sentando sobre ela em seguida.

— Senta aqui — sussurrou ele para mim e todos os tons de rosa estouraram em minhas bochechas fazendo o dono da proposta mais louca que já recebi em toda minha vida rir e bater nas próprias coxas. — Vem logo.

Good or BadOnde histórias criam vida. Descubra agora