~81~

2K 233 81
                                    

Kei Tsukishima...

Encaro minha própria sombra encolhida na parede, tremeluzindo com os movimentos da cortina que balançam ao vento, causando instabilidade na pequena luz do luar que invade o quarto antes negro.

O som da música que sai do fone de ouvido é calmo, são apenas algumas músicas instrumentais ao som de uma cítara... gosto de ouvir esse tipo de canção para me acalmar, ou fazer com que meus pensamentos tenham segundos de trégua antes de voltarem a brigar sem nenhuma parada, ao ponto de minha cabeça doer em agonia.

Me pergunto como eu deixei minha vida virar de cabeça para baixo em poucos dias, tudo que estava perfeitamente alinhado foi chutado para fora da linha, e nessa bagunça toda acabei com o Kuroo sendo carinhoso como nunca foi, e realmente determinado em ter o direito de possuir meu coração no seu novamente, mas por outro lado a pessoa que sempre esteve ao meu lado foi ferida e parte de mim se encontra no mesmo estado.

Querendo ou não, sempre estive com o Yamaguchi ao meu lado, desde crianças até hoje, nenhuma vez ficamos sem nos falar por tanto tempo. Quando fui até ele eu só queria achar uma maneira de me explicar, mesmo que ele não quisesse olhar na minha cara depois disso, eu só queria que ele soubesse que não estou fugindo da responsabilidade, que sei que quebrei sua confiança e não espero que ele possa me perdoar... mas que ele soubesse que de forma alguma o que fiz foi desencadeado por algo em relação a ele. Mas não sei o que deu em mim na hora, que o planejado derrepente desapareceu, as palavras se perderam e puxei coisas que não deveria ter dito... ele deve estar me amaldiçoando até agora.
- Eu faria a mesma coisa- digo para mim mesmo.

Decidi que não vou forçar uma aproximação novamente, não tenho esse direito. É tudo tão recente que se aproximasse de novo poderia apenas abrir mais a ferida em seu peito...

Enquanto um lado meu se ocupa com essas coisas, o outro procura se entender em relação ao Kuroo. Não consigo confiar nele cegamente devido ao que já aconteceu entre nós... mas eu sacrifiquei meu relacionamento aquela noite, teria sido em vão se não tentasse. Além disso não posso dizer que não sinto nada por ele, mesmo que eu negue o quanto quiser até que meus pulmões fiquem vazios, a verdade ainda vai queimar em meu peito... eu gosto dele e não posso fazer nada sobre isso.

Eu não posso mudar o que fiz, se pudesse eu teria feito as coisas de um jeito diferente. Não teria aceitado namorar com o Yamaguchi naquela época... a dor ainda era recente em meu peito e se tem uma coisa que eu sempre soube mas só agora sinto ser real, é o fato de que não se deve se forçar a se entregar para alguém se o seu coração ainda se vê preso ao que passou. Não é justo para nenhum dos lados.

Só espero que um dia eu ainda possa ter algum mínimo de contato com ele, espero que ele possa me perdoar, ou que eu mesmo possa me perdoar pelo que causei... ainda sinto que qualquer tipo de felicidade que eu tenha com o Kuroo surgiu de uma forma errada, mas também sei que sou mais do que um saco de erros.

Por essas e por outras, decidi apenas ir vivendo um dia após o outro, sem expectativas para esse possível relacionamento e sem me crucificar tanto... espero que a cada passo eu consiga construir meus trilhos novamente.

Tadashi Yamaguchi...

- Eu estava lendo um livro de poesia hoje - falo segurando o celular meio desajeitadamente por estar esticando o lençol antes de deitar. Escuto o som da respiração dele do outro lado da linha.
- Eu não sabia que você lia poesia. De que tipo gosta? - o som do jogo atrás é nítido, mas mesmo assim o Kenma consegue prestar atenção a tudo que falo.

Mandei mensagem para ele quando cheguei em casa, conversamos por um tempo e depois de tomar banho por algum motivo eu quis ligar para ele, talvez apenas para passar o tempo ou talvez porque é muito bom ter alguém com quem conversar. Quer dizer, eu sei que tenho meus amigos da Karasuno, como o Hinata que me apoiou muito, mas com o Kenma eu sinto que posso falar e ser verdadeiramente entendido... é tão confuso esse sentimento que não consigo colocar bem em palavras.
- Eu leio de tudo um pouco... apesar que sempre achei as melancólicas mais profundas que as outras. O que acha?
- Eu não leio muito esse tipo de coisa, mas você deve ter ouvido a frase de que os corações partidos fazem as melhores músicas de amor... Acho que tem o mesmo sentido, a dor abre portas para a harmonia das palavras, seja na música ou na poesia.

Assinto com cabeça, e não posso deixar de sorrir ao notar minha ação. Como ele vai ver que concordei?
- Tem razão... já notou que a maioria dos bons escritores ou compositores sofrem de algo profundamente, tem algum vício degradante...
- Ou morrem cedo - Ele termina minha fala.
- Isso... - um silêncio se faz até que o escuto dizer meu nome.
- Você gosta de pinturas?
- Pinturas?
- Sim... daqui a duas semanas uma galeria vai abrir por aqui, parece que vão ter muitas obras de artistas que ainda estão começando... é como uma iniciativa cultural organizada por um grupo que não lembro o nome... Eu realmente não estava muito empolgado para ir, mas se você quiser... - os segundos de silêncio faz parecer que ele está hesitando em continuar- Se você quiser... podemos ir juntos. Eu tenho dois ingressos de qualquer forma.

Abro um sorriso involuntário enquanto encaro o teto. Meu peito parece esquentar um pouco.
- Eu nunca fui em uma exposição... adoraria ir.
- Sério? - sua voz demonstra certa animação que me faz rir.
- Sim.
- Ótimo... Acho que pode ser um bom passeio no fim das contas - escuto sua respiração por algum tempo até que ele volte a falar - Está ficando tarde, acho que estou te atrapalhando de ir dormir.
- Não estou com sono.
- Tem certeza?
- Tenho. Podemos conversar mais um pouco, se estiver tudo bem para você.
- Não poderia estar melhor... - não posso conter o sorriso desencadeado por suas palavras e logo ele começa a falar sobre o jogo assim que pergunto se o que compramos juntos era bom.

Deixo que o tempo passe ao som da sua voz, até mesmo o sono parece sem pressa alguma de me alcançar nesse momento.

Do outro lado da rede *Kagehina*Onde histórias criam vida. Descubra agora