Tobio Kageyama...
Já faz algum tempo que o pequeno garoto me deixou na cama e foi para a cozinha, consigo ouvir os som das panelas e algo sendo despejado na mesma, até mesmo o som de movimentos leves de uma colher. Eu quero apenas levantar e sair daqui, mas minha perna ainda não está boa o suficiente e a chuva lá fora não dá descanso. Suspiro fundo e jogo minha cabeça para trás com os olhos fechados.
O pano quente em minhas mãos é uma sensação tão familiar, este calor em meus dedos, marcam meus dias desde o acidente, confesso que no início era algo que me incomodava bastante, mas hoje em dia não me causa nem mesmo uma leve sensação de desconforto.
Minha mente é preenchida pela cena cômica do Hinata me arrastando até aqui... engulo em seco. Eu sempre tive receio de mostrar minhas emoções, sempre senti que assim que o fizesse estaria revelando uma parte crucial de mim, sem uma única redoma para me defender, como se eu estivesse nu em frente à pessoa, com a alma completamente despida. Isso se aplicava principalmente nas lágrimas, nunca as desaguava sabendo que alguém estava no mesmo ambiente que eu... até hoje, quando as mesmas desceram pelo meu rosto sem cerimônia, sem se importar com o toque do alaranjado que me segurava, ou com sua presença...
- Você come omelete?
Levanto o rosto e vejo o pequeno com um avental azul e dois pratos na mão. Apenas assinto com a cabeça.
- Eu não tinha muitas coisas em casa sabe, e esse foi o melhor que pude fazer.
Ele vem andando em minha direção enquanto fala, até pousar os pratos na cama.
- Vou tirar a toalha para que você possa comer - ele se abaixa e antes que eu possa retirar minhas mãos ele as toca, por um breve instante, que faz meu corpo tremer, como se uma onda de eletricidade passasse da ponta dos meus dedos até minha estrutura óssea. Puxo minha mão bruscamente para trás, o mesmo ri com a minha reação - Não precisa ter tanto repúdio, eu só toquei sua mão sem querer- ele pega a toalha e a coloca no pote- Não abaixe a calça ainda, depois de comermos eu pego uma pomada para passar e aí acho que você vai poder ir sem problemas.
Vejo ele tirar o avental e colocar na mesa de centro antes de sentar na cama.
- Eu experimentei o arroz frito que comprei de manhã, ainda está bom - ele coloca o prato na minha mão.
- Obrigado- sussurro.
- Uou- olho para o mesmo sem entender, até que um largo sorriso toma seus lábios e meus olhos parecem serem puxados para o brilho de seu olhar, que vagamente me lembra uma axinita perfeitamente lapidada, quando exposta no mais esplendoroso raio de luz. Engulo em seco. O que estou pensando?
Desvio o olhar e passo a encarar a comida em minhas mãos, e rapidamente levo um pouco da mesma até minha boca. Tentando me manter focado em comer, sem sequer olhar para meu lado, ao longe posso ouvir as gotas de chuva que gradualmente diminuem.Shoyo Hinata...
Mesmo através da camada gélida de pomada em minhas mãos, posso sentir o calor de sua pele chegar aos meus dedos enquanto os mesmos passeiam pelo local da cicatriz, sinto o corpo do moreno rígido, como se ele não estivesse a vontade para sequer respirar com naturalidade.
Abro um sorriso e levanto meu olhar até encontrar o seu.
- Está doendo? - o Kageyama apenas balança a cabeça em negação.
- Você parece já ter feito isso antes- meu coração vacila em animação, é a primeira vez que ele diz uma frase longa sem o tão característico tom ríspido.
- Eu sou jogador do time de vôlei da Karasuno, vamos dizer que... eu não sou tão bom assim em algumas coisas, frequentemente eu me machucava, antes mesmo de eu entrar para o time. Acabei aprendendo com a prática a fazer esse tipo de massagem quando ocorria alguma torção.
Ele não diz nada, apenas permanece em silêncio. Um certo ar de melancólia preenche o ar, quase que no mesmo instante me arrependo de ter citado o time. Mordo o lábio inferior, tentando buscar em minha mente algo que faça o clima se descontrair um pouco.
Enquanto isso, meus dedos apertam levemente sua pele, passeando livremente pela área antes dolorida. Sinto que as poucos, seus músculos ficam menos rígidos e mais leve em meus dedos.
- Você... - começamos a falar juntos, meu olhar crava em seus olhos no mesmo momento que sorrio.
- Pode falar - ele diz antes de passar a encarar sua própria perna.
- Eu ia perguntar se você mora por perto?
Ele balança a cabeça em afirmação.
- Poucas ruas atrás da quadra que nos encontramos.
- Eu posso te levar se você quiser...
- Não- ele volta a me olhar- Eu consigo ir sozinho.
- Tem certeza? - o mesmo assente.
- Aliás a chuva já passou- ele pega minha mão e a tira de sua perna, enquanto ainda tento entender o que está acontecendo, ele já cobriu a mesma com a calça e se levanta - Vou para casa, obrigado Hinata.
Em passos rápidos ele caminha até a porta.
- Até amanha Kageyama - A única resposta que recebo é o som da porta se fechando e seus passos pelo corredor, cada vez mais distantes...
Suspiro fundo e escorrego até o chão, sentando no mesmo.
- Menino estranho... - abro um leve sorriso sem notar, meus olhos encaram minha mão, com resíduo da pomada entre os dedos... parece ter ajudado bastante. Deveria ter entregado um pote para ele levar para casa... posso fazer isso amanhã - Kageyama... - sussurro seu nome enquanto encaro o teto, minhas costas apoiadas na cama atrás de mim.
Ele é bem reservado, muito diferente do que pensei que seria. Seus olhos são como uma ponta de um iceberg solitário, escondendo tantos segredos em suas profundezas que sou incapaz de vê-los... tão diferente daquele olhar de quando a câmera focou em seu rosto durante a partida, o azul profundo brilhava intensamente, repleto de uma paixão avassaladora que me encantou, a aura que ele emitia durante aquela partida se perdeu por completo da pessoa que estava aqui a pouco tempo. Sinceramente, eu prefiro o Kageyama quando está com a expressão de adrenalina.
Respiro fundo. Eu gostaria de poder jogar como ele jogava... mas ainda não faço ideia de como me aproximar dele para pedir tua ajuda para que enfim possa me aprimorar.
Vai ser mais difícil do que pensei que seria...
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Do outro lado da rede *Kagehina*
Fanfiction"E se tudo pelo qual você lutou a vida toda, simplesmente desaparecer em uma fração de segundos e quando você desperta da escuridão, a única coisa em sua mente é uma voz vibrante que grita a cada instante que você nunca mais poderá estar em uma quad...