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Tobio Kageyama...

Aquela sensação... de quando a bola está vindo em sua direção, quase parando no ar, como um delicado e magnânimo pássaro em seu voo mais solene... e quando a superfície toca seus dedos é como se virassem um só, um leve curvar e ela atravessa até a ponta da rede, diretamente para um último toque que a faz cortar por vários metros até alcançar o chão do outro lado, em um baque cortejante... os gritos de comemoração que ecoam por todos os cantos, vindo da arquibancada lotada de pessoas em êxtase... a corrente elétrica que ainda passa por entre meus dedos, aquela chama em meu peito que me faz sentir vivo... essa chama que já não passa de uma memória amarelada.
    
Abro os olhos e encaro o teto, rapidamente me sento levando a mão até meu rosto, passando no mesmo. Um bocejo acaba por escapar de meus lábios... pisco repetidas vezes ainda despertando por completo, aos poucos as várias caixas empilhadas ao meu redor ganham uma forma mais nítida. Está frio. Não sei se é porque acabei dormindo descoberto ou se realmente o dia amanheceu gélido, meu olhar é direcionado para a janela ainda sem cortina, e a tímida claridade revela o dia nublado lá fora. Respiro fundo e coloco meus pés no chão em um movimento curto, no momento que me levanto acabo curvando a perna.
- Merda - fecho os olhos e me sento de novo. Amaldiçoou mentalmente minha imprudência por ter dormido com as pernas nuas, sempre que está muito gelada, as juntas doem mais que o normal... preciso de toalhas quentes. Mas nessa bagunça, dificilmente vou achar algo.
 
Ontem quando me mudei, não tive sequer tempo de arrumar muitas coisas, apenas organizei a cozinha e montei a cama, ainda tenho muito a fazer. As janelas estão sujas que quase não se dá para ver que é transparente, e todos os cantos estão com caixas...
 
Respiro fundo e aperto a estrutura da cama, usando a mesma de apoio para me levantar. Caminho a passos lentos até a cozinha, abro um pequeno armário e pego um remédio, uso o copo que está na pia mesmo e despejo água da torneira, para engolir o comprimido. Sinto ele descer pela minha garganta com a água, deixando um rastro amargo em seu caminho.
 
Tiro a camiseta e jogo em um canto qualquer entre a sala e o quarto, enquanto ando até o banheiro... vou tomar um banho antes de sair para comprar café da manhã e produtos de limpeza. Espero conseguir deixar pelo menos o quarto organizado hoje, e terminar tudo até amanhã, para poder descansar o resto da semana, antes do início das aulas.
  
Fecho os olhos e sinto a água quente passar pelo meu corpo, trazendo uma sensação de alívio, a câimbra na minha perna parece diminuir gradualmente...

Shoyo Hinata...

Acelero o ritmo das minhas pernas, a medida que vou me aproximando do centro da cidade, as ruas vão ficando com um maior número de pessoas, a maioria caminhando para seus trabalhos... os tímidos raios de sol aparecem no horizonte, marcando o início de mais um dia.
  
Adquiri o hábito de acordar cedo para correr, antes mesmo do dia amanhecer. Moro um pouco longe do centro da cidade, em uma área residencial, num conjunto de quartos para alugar. Minha família mora cerca de uma hora e meia daqui, em uma área mais parada, por isso me mudei para cá, fica muito mais prático para chegar na escola e exercer minhas atividades diárias.
 
Desde que as férias começaram, espero ansiosamente as aulas retornarem, para que eu possa praticar com o time, a maioria dos integrantes estão viajando e ainda não voltaram, portanto, o único que vejo é o Nishinoya, que é meu vizinho de porta.
 
Viro a esquina do mercado, preciso comprar algumas coisas para casa. A música no fone de ouvido para por alguns segundos, e logo o familiar som repetitivo aparece, dos passos das pessoas ao meu redor, o coração da cidade pulsando em meu ouvido é substituído pelo solo de guitarra de uma música que se inicia.
   
Paro em frente a faixa de pedestre, me apertando entre as pessoas ao meu redor, todas tão estranhamente iguais que é quase como bonequinhos de uma cidade de brinquedo, como se estivessem apenas complementando o cenário de uma mesma rotina... olho para frente e noto que o sinal está prestes a abrir, no momento que fica verde, o cardume de pessoas seguem juntos. Sinto ombros colidirem comigo o tempo todo antes mesmo de eu pisar na rua.
- Me desculpe... - antes que eu consiga me virar para ver o dono da voz, uma figura passa correndo por entre as pessoas, e o som de reclamações em conjunto se torna alto o bastante para que eu possa ouvir, no empurra acabo dando um passo para trás, no intuito de me afastar do fluxo de pessoas, mas meus pés pisam em algo fofo. Olho para trás no momento que a pessoa que ali estava vai para o chão.
 
Me abaixo no mesmo instante bruscamente e o fone cai do meu ouvido, se pendurando na minha blusa.
- Você está bem? Se machucou? - levo minhas mãos até o braço do menino que caiu. Meus dedos tocam sua pele superficialmente, mas logo o braço é puxado de forma rude.
- Eu posso levantar sozinho- a pessoa vira e me olha nos olhos por um breve instante, um azul escuro e sombrio faz com que eu recue. Como se uma energia assustadora surgisse, dizendo que ele poderia me socar a qualquer momento.
- Eu posso te ajudar- estico minha mão.
 
Ele nem sequer me olha e apoia no chão se levantando com dificuldade. Vejo ele atravessar a rua, com a perna direita perdendo... será que ele se machucou quando o derrubei?
- Ei - dou um passo para frente mas um som de buzina faz com que eu me assuste e volte para a calçada.
 
Olho para o farol que abriu para os carros... quando volto minha atenção para o outro lado da rua, ele já havia desaparecido...

Do outro lado da rede *Kagehina*Onde histórias criam vida. Descubra agora