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Ao me sentar, olhei para a janela pensei em pegar os fones para passar o tempo, até que Minashigo se sentou em um dos lugares do lado oposto do qual eu havia me sentado. Nos fitamos, acenando um para o outro, e eu descartei a ideia. Tirei minha mochila do banco da janela, colocando-a sobre minhas coxas, e abraçando-a, apoiei a cabeça sobre ela. Rua vai, rua vem, e eu fitava as casas que passavam, algumas delas ainda com as luzes acesas, e a escuridão do horário me fazia cair no sono, até que então... Um barulho alto, acompanhado de uma vergonha gigantesca. Escondi o rosto na mochila ao me lembrar de que não havia comido nada antes de descer do navio, e naquela hora, meu estômago estava me cobrando aquilo, mostrando indignação por ter esperado por tanto tempo. Abri a mochila, rezando para que os sanduíches de atum ainda estivessem sãos e salvos, e para minha sorte, estavam. Retirei a metade de um deles do plástico duro da marmita que os cobriam, e ao trazê-lo para perto do meu rosto, seu cheiro não havia causado nenhum distúrbio para minhas narinas, e na verdade, parecia ter o mesmo cheiro de quando os embalei, significando que não haviam apodrecido. Outra vez, minha barriga rugia, e eu mordi o sanduíche em minha mão, e com a outra mão, eu afastava minhas coisas para um dos lados da mochila, tentando contar quantas metades eu ainda possuía. Sete metades. Fechei o plástico, e de repente, um cheiro familiar havia surgido, invadindo meu nariz. Olhei pela janela, mas não parecia vir de nenhuma casa, ainda mais com o fato do ônibus estar em constante movimento, e ao olhar para o outro lado que a resposta surgiu. Minashigo parecia ignorar tudo ao seu redor, enquanto virava o copo de sopa de tofu em sua boca, aparentando também não ter se alimentado no navio. Entre as mordidas, acabo me engasgando, e uma sequência de tosses começa, até que no final, o pedaço no qual eu me engasguei finalmente cedeu e saiu de minha garganta, e antes que ele pudesse saltar de minha boca, consegui pegá-lo com a ponta dos lábios, trazendo-o de volta para dentro da boca, mastigando-o e engolindo de forma correta dessa vez. Olhei para o lado, e Minashigo apenas me encarava naquela situação constrangedora. Talvez percebendo o clima esquisito que havia ficado, Minashigo me oferece o copo de sopa, e eu recusei educadamente, também oferecendo o sanduíche, e foi a vez dele recusar. Terminando a refeição, fiz menção de tirar os fones do bolso da camisa, já que nenhuma conversa entre Minashigo e eu havia se iniciado, mas então o ônibus começou a diminuir a velocidade, aparentando já estar chegando ao seu destino. Finalmente, o ônibus parou, e enquanto eu esperava a saída dos poucos passageiros presentes no veículo, olhava em meu celular o próximo passo do caminho que eu deveria tomar. De acordo com o mapa online, eu havia desembarcado na cidade do sudeste, uma das cidades do estado que levava o mesmo nome, e eu amaldiçoava o preguiçoso que havia nomeado os estados e cidades daquela forma. Desci do ônibus, desembarcando no pátio do que era a rodoviária do tal centro da cidade, e ainda com o celular na mão, usei o guia rápido para entender o que estava no letreiro, em cima de um estabelecimento que, por ter as mesmas cores do ônibus que me trouxe até aqui, julguei ser o departamento de transporte que usavam os ônibus para tal serviço. Eu precisava usar o ônibus que me levaria da cidade do sudeste para a do sul, e de acordo com as informações do letreiro, o ônibus deveria chegar em três minutos. Me sentei em um banco, com a minha mochila em meu colo, enquanto eu observava meus pés balançarem com o movimento de minhas pernas, uma subindo, enquanto a outra descia. Não demorou muito, e Minashigo surgiu outra vez, sentando-se ao meu lado. Não havia me incomodado das outras vezes, mas naquele momento, a possibilidade de que o homem poderia estar me perseguindo veio em minha mente. Minashigo não parecia ser alguém ruim, mas também havia o fato de que eu sequer o conhecia. Me afastei para o lado contrário dele, e não teve nenhuma reação por parte dele. Me afastei outra vez, e ele soltou um riso leve.

- Acha que eu estou te seguindo, não é?

- Bem... Sim!

- Desculpa se estou te incomodando! Eu devia ter percebido que estou sendo invasivo demais!

- Não precisa se desculpar! É que... É estranho! Eu já estava preparada para fazer essa viagem sozinha, e então eu conheço alguém que não está comigo, mas está fazendo os mesmos passos que os meus! - Fiquei olhando para minha mochila nesse pequeno espaço de tempo, e então, me virei para Minashigo, que ao perceber tal ação, suspirou.

- Erina... Você que quis ser arqueóloga, ou o seu pai lhe influenciou? - Não respondi de imediato, apenas fitei minha mochila outra vez, martelando aquela pergunta que eu havia recebido.

- Acho que um pouco dos dois! Mas por que a pergunta?

- Nunca havia passado pela minha cabeça a possibilidade de ser intérprete! Na verdade, eu passei parte da minha infância sem saber o que fazer da minha vida! Olhava para vários exemplos de profissões, mas nenhum me chamavam a atenção! Foi quando me falaram que eu poderia ser tradutor! Diziam que eu tinha talento para tal coisa, mas teve um fator decisivo que influenciou na minha escolha, mesmo essa influência quase me fazendo desistir dessa escolha também! E aqui estou eu agora, sendo intérprete de pessoas que viajam por aí, sem entender o que as pessoas dos lugares que visitam dizem! - Houve um silêncio, e deixando de olhar para minha mochila, direcionei meu olhar para o teto da rodoviária.

- Acho que, independente da influência que os outros tem em nossas escolhas, dependerá apenas de nós escolher se seguiremos com tal caminho até o final! Se continuaremos a gostar do que fazemos! - Pela visão periférica, percebi Minashigo olhando para mim, e depois fitou as próprias mãos com os dedos entrelaçados no colo.

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