Como era de praxe, o trem se locomovia de forma rápida, puxando o tempo junto com ele e fazendo com que cada um de nós ficássemos em nossos próprios mundos, sonhando ou pensando em coisas que já nos aconteceram, ou que poderiam acontecer em um futuro distante ou próximo, mas não com Minashigo e eu. Enquanto eu respondia as mensagens de minha mãe e de minhas amigas, de tempos em tempos, eu olhava para o lado, para Minashigo, e a cena na qual me deparava havia sido a mesma a viagem toda. Aquele que havia me acompanhado em quase toda a viagem estava agora com um livro de poucas páginas nas mãos, no qual era direcionada toda a atenção de Minashigo naquele momento. O livro em si possuía uma aparência em ótimo estado de conservação, me fazendo pensar se tal aspecto era por ser uma edição recém comprada, ou se Minashigo cuidara tão bem ao ponto de fazer aquele manuscrito aparentar ser novo, ou até mesmo ambas as coisas juntas. Um garoto aparentemente na fase da adolescência era o que estampava a capa, possuindo um semblante sério no rosto, empunhando um escudo na mão direita e uma espada na mão esquerda, ambas as armas aparentando ser de período medieval. Ainda na capa, a mesma possuía um alto-relevo ao redor dos objetos nas mãos do garoto, dando a impressão de que tais itens seriam maiores do que o tamanho mostrado na capa, ou quem sabe, alguma tentativa falha de produzir algum tipo de sombra para o escudo e a espada. Cortando a imersão ao nosso redor, o trem parava, ao mesmo tempo em que suas portas abriam e os passageiros se preparavam para desembarcar. Com alguns dos passageiros saindo, eu me levantava de meu lugar para sair também, e antes que eu pudesse dar o primeiro passo, percebi que Minashigo continuava sentado. Cutuquei seu ombro em uma tentativa de chamar sua atenção, tentativa que se mostrou inútil. Estalei os dedos perto de seu ouvido direto e, outra vez, sem resultado. Não querendo fazer, tive que puxar a orelha de Minashigo, e sua expressão de incômodo pela leve dor já dizia que seu transe havia acabado.
- Ai ai ai ai ai! O que foi?
- Nada não! Só o pequeno detalhe de que o trem parou na cidade da última divisa na qual temos que passar!
- O que? E por que não me falou antes?
- Então... Eu acho que eu tinha tentado, sabe? - De supetão, Minashigo levantou de seu assento, pegando sua mala no chão e saindo pelas portas abertas do metrô. - E-EI!! - E eu também deixava o subterrâneo do local, subindo as escadas depressa, sem perder Minashigo de vista até que o mesmo havia parado, aliviado. Eu parei ao seu lado, ofegante. Não estava realmente cansada, mas apenas havia sido pega de surpresa. - Um pouco mais rápido e você teria rompido a força de aceleração!
- Eu fiquei preocupado! E se tivéssemos perdido o ônibus? Desculpa, Erina, de verdade!
- Tudo bem! O ônibus ainda está lá, então não tem do que ficar se desculpando! Enfim, já podemos ir! - Dito e feito. Fomos até o ônibus e embarcamos no mesmo, pagando as passagens com o motorista e adentrando ainda mais no veículo até nos sentarmos em algum dos assentos. De forma sincronizada e inconsciente, suspiramos de forma descontraída, ao mesmo tempo em que Minashigo olhava para o livro em sua mão. - Esse livro deve ter uma ótima história pra te fazer esquecer até da nossa viagem! - E em um breve momento, Minashigo ficou encarando o livro que ainda estava parado sobre seu rosto.
- É uma história bem clichê, na verdade! Fala sobre um garoto que está terminando os estudos e não sabe se já começa a trabalhar, ou se vai para a faculdade! Em uma das viagens que ele fez, ele acabou encontrando um lugar secreto que guardava um poder quase divino, mas ele não sabia o que acabaria atraindo ao conseguir esse poder, e no final ele fez o que achou que seria o certo a ser feito!
- E o que ele escolheu fazer?
- O livro não fala! Ele deixa em aberto para o leitor interpretar do jeito que quiser! - Minashigo ainda permanecia na mesma posição, enquanto eu pousava a cabeça no encosto do assento em que estava sentada, ao mesmo tempo em que o ônibus começava a sua jornada.
- Algumas pessoas podem não gostar desse tipo de final, mas levando em conta tudo o que você disse sobre a história, é uma forma de fazer o leitor refletir sobre o que considera certo ou não! Acho que entendo o motivo de você gostar tanto desse livro! - Parecendo um certo deboche, Minashigo riu, guardando o pequeno livro na maleta.
- Na verdade, o motivo de eu gostar dele é outro! Ele foi me dado como um presente de aniversário em conjunto pela Mari e esse meu amigo, em uma das vezes que nós o visitamos! - Instintivamente, um sorriso veio em meu rosto, deixando claro que a ficha havia finalmente caído.
- E esse seu amigo tem um nome?
- Ethan! Ethan Akitake! - De repente, eu havia tirado minha cabeça do encosto do banco, virando o rosto para Minashigo no processo.
- Esse não é um sobrenome muito italiano!
- O pai dele também é metade japonês e metade italiano! Ele acabou tendo algumas desavenças com o pai na época em que chegou na fase adulta e preferiu adotar o sobrenome de solteira da mãe, apesar de que depois que soube o que aconteceu, ele voltou a usar o sobrenome do pai! - Ao mesmo tempo em que Minashigo virava o rosto em minha direção, eu pousava outra vez a cabeça no encosto do banco, olhando pra cima dessa vez, até fechar meus olhos. - O que foi?
- Eu fico pensando no meu pai! Nesse sumiço dele! Penso se ele está bem ou se o pior acabou acontecendo com ele! Mas e se for alguma outra coisa? Tipo, se ele está bem, mas está envolvido em algo que quer esconder da minha mãe e de mim a qualquer custo? - Ainda com a cabeça no lugar, desci o rosto, com os olhos na direção dos meus joelhos.
- Erina, seu pai te ama! Ele te deixou entrar na vida dele! Na vida profissional dele! Tenho certeza de que deve ter ficado muito feliz quando soube que você iria se dedicar para viver do mesmo jeito que ele vive e sustenta você e sua mãe! - Não consegui responder de imediato, e vendo isso, Minashigo ainda complementou. - E desculpa se isso te ofender, mas eu acho Erina Bucciarati bem mais bonito do que Erina Shinka! - Aquele complemento havia quebrado a preocupação que me rodeava, me fazendo soltar um pequeno riso daquilo.
- Certo, certo! Eu estou me precipitando! É que agora falta tão pouco e eu... - Inspirei o máximo que eu conseguia, soltando todo ar em uma espiração demorada. - Eu vou deixar pra tirar conclusões no momento certo! - E tomando a nossa atenção, a placa de "Bem-vindo a Itália" apareceu e desapareceu no mesmo instante, como um borrão.

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General FictionExplorações, registros, conhecimentos, comentários sobre tais coisas, eram coisas que Erina admirava no homem da sua vida, seu pai. Desde sempre, a garotinha do papai mostrava interesse na profissão do homem que cuidava da família, e em resposta, o...