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O silêncio era absoluto, como se o mundo todo tivesse parado. Até mesmo o som da água batendo no casco do navio era inexistente naquele momento, e ali então eu percebi que, apesar dos meus olhos fechados, eu havia despertado do meu sono, e estava apenas relutante sobre a vontade de abrir os olhos e levantar daquela cama. Um pouco mais que seis da manhã era o que marcava o relógio que a tela acesa do dispositivo mostrava. Ao menos esse era o horário em meu país de origem. A ausência do mínimo som do exterior da embarcação indicava que o navio já havia chegado em seu destino final, e que sua tripulação já teria desembarcado ao perceber o enorme barco imóvel e provavelmente estacionado no porto de chegada. Eu segurei e apertei um pouco da fronha usada no travesseiro em que minha cabeça estava deitada, depois que eu deixei o celular de lado mais uma vez. Eu fitava a parede em minha frente, sem qualquer mísero detalhe capaz de chamar a minha atenção, até perceber que eu estava deitada de lado, sentindo meu braço esquerdo dormente pelo peso jogado por cima do membro, seguido do leve formigamento que meus dedos transmitiam. Eu esperei por um tempo, olhando para aquela parede na qual parecia ser feita com fibra de madeira, imaginando que cedo ou tarde, ouviria Minashigo acordando de seu sono. Um certo tempo se passou e o silêncio continuou, e uma pontada mista entre dúvida e preocupação surgiu em minha mente. Na vez anterior era eu quem havia acordado por último, mas não sabia dizer se eram pelas circunstâncias presentes naquele momento, ou se Minashigo teria um sono mais leve desde sempre. Levantei a cabeça do travesseiro, olhando para o mesmo e soltando um suspiro longo de alívio ao perceber que a fronha não estava manchada dessa vez. De repente, o silêncio foi quebrado por sons de passos vindos do lado de fora do cômodo, andando tão perto da porta que era como se tal pessoa fosse realmente entrar no quarto. A maçaneta rangeu, indicando o giro no sentido anti-horário de quem estava do outro lado da porta, e ao mesmo tempo em que eu me sentava no colchão, conseguia sentir um cheiro familiar do qual teria sentido pela última vez na Finlândia. Ao mesmo tempo em que a porta abria, eu olhava na direção do colchão que Minashigo estava deitado, sem imaginar que o verbo no passado estaria fazendo total sentido na ocasião. Eu não havia virado o rosto quando a voz reconhecível fez a pergunta.

- Bom dia! Acordou agora? - Minashigo fechava a porta do quarto com o pé, tendo ambas as mãos ocupadas por carregar uma bandeja.

- Na verdade já faz algum tempo! E bom dia também! - Eu me levantava da cama, levando as mãos o mais alto possível, me alongando, enquanto Minashigo deixava a bandeja do lado de cama onde eu havia passado a noite. - Obrigada!

- Eu já me servi! Só falta você e então, nós vamos para o porto!

- Tudo bem! Só preciso escovar os dentes e jogar uma água na cara! - Dito e feito. Escovar os dentes não havia levado tanto tempo, e só precisei da água que ainda estava em minha pele ao lavar as mãos. Voltando ao quarto, olhei para a bandeja, tendo uma caneca de café puro e um prato com um sanduíche de pão de forma com algo que eu não sabia dizer o que era, até a primeira mordida. - Pasta de amendoim?

- Não tinha tantas opções de café da manhã, então só trouxe o que eu achei que encaixaria melhor com os seus gostos!

- Não, tudo bem! Pra mim está ótimo! - Apesar do gosto da pasta ainda em minha boca, não levou muito tempo até eu terminar com o sanduíche, e o mesmo aconteceu com o café da caneca, que havia tomado com apenas um gole. Colocando a caneca de volta na bandeja, olhei para Minashigo, tendo um olhar desacreditado no rosto. - O que foi?

- Tenho certeza de que o café estava bem quente!

- Eu achei morno! - Eu me abaixava até meus pés, calçando minhas botas.

- Coitado do seu estômago! De qualquer forma são um pouco mais de uma e meia da madrugada! A chance de pegarmos o metrô vazio é bem grande!

- Eccellente! [Ótimo!] - Eu pegava minha mochila do chão, colocando-a sobre meu ombro, como de praxe. Olhei para trás, na direção da bandeja que Minashigo havia trazido. - Pra onde levamos isso?

- Pode deixar aí! O próprio pessoal do navio vai fazer uma limpeza nos quartos, antes dos novos viajantes embarcarem!

- Então já podemos ir!

Eu dava de ombros, mostrando despreocupação e liberdade para seguirmos nosso caminho, e um leve sorriso de canto de boca surgiu no rosto de Minashigo, e então nós passamos pela porta, saindo do quarto e cruzando a ponte que nos levava do navio para o porto, de onde pegamos um ônibus que nos levaria até o ponto mais próximo do metrô. Como era esperado, o movimento era pouco, com as ruas sendo iluminadas pelas lâmpadas acessas, dissipando um pouco da escuridão noturna.

- Você sempre teve um sono tão pesado assim? - E Minashigo tinha sido aquele que tinha quebrado o leve silêncio que já estava sendo inexistente pelo som do veículo se locomovendo.

- Só nesses últimos anos de faculdade! Na verdade, em algumas noites da minha infância e adolescência, eu costumava acordar de madrugada por causa de algum barulho que meu pai acabava fazendo, quando ia arrumar ou guardar as anotações que ele fazia! Ele tem um quarto com várias delas!

- Aposto que você já passou noites em claro, lendo algumas delas!

- E eu aposto o mesmo com você e a Mari! - E pela primeira vez nessa viagem, Minashigo riu com um vigor que eu não havia presenciado até então.

- Confesso que tinham noites que ela me acordava pra brincar do lado de fora do dormitório! As vezes, era só pra ficar conversando sobre qualquer assunto de criança ou só pra olhar para o céu, tentando contar as estrelas, e algumas vezes, flagrávamos algumas estrelas cadentes passando também! - Com um sorriso visível no rosto, Minashigo deu um leve e longo suspiro. - Foram noites que eu deixaria o sono de lado outra vez, sem qualquer problema!

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