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Ao retornamos para dentro da casa, o sentimento de lar estava no ar de forma descarada. Talvez pelo fato de ver todos conversando, sorrindo e rindo ao mesmo tempo, mas era justamente aquela cena que trazia tal sensação. Era uma cena da qual eu não presenciava pelos últimos dias de viagens, e depois de passarmos o que passamos com Mavlov, aquele momento era mais que bem-vindo. Luna terminava de servir seu prato que era o último, enquanto Sajin e Mari conversavam sobre algo, ao mesmo tempo em que meu pai também falava algo para Minashigo, que estava a uma cadeira de distância de meu pai, sendo justamente a cadeira onde eu estava sentada antes.

- Já faz um tempo que eu não via meu velho tão alegre! Desde quando o antigo dono do restaurante faleceu, ele vem estando meio pra baixo, mesmo não tendo nenhuma reclamação! O que eu entendo perfeitamente, já que o Senhor Gordon foi como um pai pra ele!

- No fim das contas, são sempre os nossos pais ou os pais dos outros, não é?

Eu complementava a fala de Ethan, que deu de ombros com um sorriso suave no rosto, não discordando do que eu havia dito, e sem muita cerimônia, nos juntamos ao grupo. Ethan se sentava em uma das cadeiras que ficava em uma das pontas da mesa, e eu me sentei entre Minashigo e meu pai. Do outro lado estavam Luna, Sajin e Mari, e todos nos olhavam enquanto sentávamos, apesar dos olhares de Luna e meu pai serem os mais inocentes na mesa se comparado aos olhares de Minashigo, Mari e Sajin, que pareciam compartilhar de uma certa malícia.

- Já sabem por quanto tempo vão ficar na Itália? - E Luna foi quem quebrou o silêncio criado pela vinda de Ethan e eu.

- Eu ainda quero fazer alguns exames médicos no meu pai, antes de irmos! Então não deve levar mais que um ou dois dias!

- Eu estou bem, Erina! Não precisa de tudo isso!

- Eu acredito em você, pai! Mas sabe como a dona Misato é! Se você não fizer isso aqui, a mamãe te obrigar a fazer isso lá no Japão! E você vai precisar estar no seu melhor pra quando for voltar ao trabalho! - A última parte da minha fala fez meu pai desviar o olhar de mim, batendo de leve o garfo na comida de seu prato, fazendo um leve estalo ao bater o metal do talher na cerâmica do prato.

- Sobre isso, Erina... Eu estive pensando nesse tempo em que estive preso naquele lugar, de que se eu conseguisse sair com vida de lá, eu iria... Me aposentar! - A declaração de meu pai havia tomado para si a atenção de todos na mesa, e mais do que isso, surgia uma indignação dentro de mim.

- O que? M-Mas por quê? Achei que o senhor amasse o trabalho que faz!

- E eu amo! Mas amo muito mais a minha família, e sempre sinto falta de você e da sua mãe quando fico em um trabalho que demanda muito tempo de mim! Eu tive sorte de ter escapado dessa última com vida, e o que eu menos quero é morrer soterrado e sozinho!

- Mas eu acabei de me formar! Eu estudei arqueologia pra poder te acompanhar nos seus trabalhos! Eu usei suas anotações de viagem pra que eu fizesse meu próprio trajeto do Japão até a Itália! Você não precisa mais explorar lugar nenhum sozinho porque eu vou poder estar com você em qualquer canto desse planeta! - Meu pai largava o talher sobre o prato, suspirando em seguida de forma triste.

- Desculpa, Erina, mas eu já me decidi! - Mesmo não olhando diretamente, eu sabia que todos olhavam na minha direção, com medo do meu próximo movimento, até sentir a ponta de um dos dedos de Minashigo tocar em mim.

- Eri...

- Desculpa, todo mundo! Eu não consigo... - Apesar de incompleta, minha frase era praticamente literal quando eu me levantei da cadeira e saí pela porta da frente, ignorando o chamado de Minashigo.

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- Eu não queria que fosse assim! Mas não tinha como eu dizer isso sem ferí-la! - O pai de Erina estava cabisbaixo, e parecido como a forma de agir no templo, Minashigo pegou o senhor pelo colarinho da camisa, e eu me levantei colocando a mão esquerda entre os dois.

- Calma, Minashigo! Já chega dessas explosões emocionais por hoje!

- Não, Ethan! Você não diria isso se conhecesse melhor a garota incrível que a Erina é! Ela podia ter me despachado e vindo nessa viagem sozinha, e mesmo assim ela não só me aturou como cuidou de mim, ouvindo minhas histórias e compartilhando as dela! - O olhar furioso de Minashigo passou de mim e voltou para o pai de Erina. - Ela falava tão bem de você, como se você fosse algo ainda maior do que um pai! Você é praticamente uma divindade pra ela, alguém a ser seguido, e agora você joga esse balde de água fria nela! - O rosto do senhor caiu, parecendo aumentar ainda mais a feição triste que estava em sua face desde quando havia dito aquelas palavras que cortaram o coração de Erina.

- Eu queria poder ter visto a formatura dela! Queria ter ajudado em seus estudos finais! Se eu imaginasse que ficaria preso naquele lugar por todo esse tempo, eu... - A voz do homem falhava, quase como se já estivesse chorando. - Eu nunca teria sequer cogitado entrar naquela maldita tumba! A melhor coisa desses trabalhos era voltar pra casa e ser recebido pela minha esposa e pela minha filha! Agora com essa aposentadoria, eu posso passar todo o tempo que me resta com elas! - Meus pais e Mari ainda continuavam chocados, e as mãos de Minashigo afrouxavam da gola da camisa do pai de Erina, até que finalmente ele o soltou, se sentando de volta em seu lugar.

- Ethan! Vá atrás da Erina! Agora! - E a fala repentina vinda da voz de Mari não só quebrou o silêncio presente, como chamou a atenção de todos para ela.

- O que? Por que eu?

- Não discute! O pai dela ainda está abalado pelo o que aconteceu e você é quem está sobrando aqui! Agora vai logo! - Resolvi não discutir com Mari, e saí pela porta da frente atrás de Erina.

- (Como assim "eu estou sobrando"? Aposto que Minashigo ou meu pai devem ter digo algo pra Mari!) - Não levou muito até que eu encontrasse Erina sentada no portão da garagem da casa, abraçando seus joelhos e com a cabeça baixa. Fui até ela, me sentando ao seu lado, e ela levantou a cabeça, olhando para mim com os olhos vermelhos e em lágrimas. Eu sorri de canto de boca e dei de ombros, tentando ser amigável, e ela jogou seus braços ao meu redor, em um abraço que mais parecia um pedido de socorro, e eu retribui seu gesto, tentando dar algum tipo de conforto a ela.

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