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Eu não saberia dizer se a conversa tinha trazido algo na memória de Minashigo, além de um claro desconforto em seu rosto também, mas acabou sendo outra ocasião em que o silêncio surgiu e se instalou. Ao ver a placa indicando a entrada na Noruega, comecei a me questionar sobre como poderia ser a possível viagem de navio até a França, caso continuasse desse jeito, pois ao contrário das idas e vindas de metrô e ônibus, um navio levaria ainda mais tempo para finalizar todo o trajeto. Com o ônibus tomando seu rumo, não levou muito tempo até que as poucas casas e montanhas começassem a aparecer pelo país pacato, no qual parecia uma expansão da Suécia. O clima frio havia aliviado um pouco, me permitindo tirar meu cachecol e guardá-lo de volta em minha mochila, e talvez percebendo o que eu estava fazendo, Minashigo desviou o olhar do celular e o levou até mim, olhando para a janela em seguida.

- Adoro quando pego algum trabalho em que preciso vir pra Noruega! É como se fosse um pedaço do céu na Terra! O preço dos serviços no país é acima da média, mas é tudo de muita qualidade! - A expressão de desconforto havia abandonado o rosto de Minashigo, dando lugar para um sorriso e um olhar para a janela que transmitia uma calma que, até então, nunca havia presenciado em seu semblante. - Muito provavelmente será onde quero passar o resto da minha vida, depois que eu conseguir me estabilizar! - Olhando pela janela, alguns lugares eram praticamente desertos, com um sinal mínimo de população que beirava o quase zero.

- É uma calma sem igual mesmo! Ainda mais levando em conta que é quase meio-dia! - Eu encostei a cabeça no encosto do banco, suspirando aliviada. - Que bom que não vou precisar mexer no fuso-horário do meu celular!

- Você já veio para a Noruega?

- É a minha primeira vez aqui! Na verdade é a minha primeira vez em todos esses lugares em que nós passamos até agora! - Voltando seu olhar em minha direção, tentei puxar algum outro tipo de assunto. - Que tipo de biblioteca guarda livros sobre Kendô? - E entendendo o nível da pergunta, Minashigo riu, minimamente avermelhado.

- Não apenas sobre Kendô, mas também sobre judô, jiu-jitsu, defesa pessoal e por aí vai! Só não encontrei nada que fosse impróprio para menores! - E dessa vez, foi eu quem acabou caindo em risos.

- Ainda bem! Seria muito triste se o orfanato de vocês fechassem por causa disso! - E sem percebermos, o ônibus parou, e nós descemos do veículo. Olhando ao redor, não havia nenhuma entrada para o subterrâneo. - Onde é o metrô dessa rodoviária?

- Não tem metrô na Noruega!

- Che cosa? [O que?]

- A Noruega é mais água do que terra! Como acha que iriam colocar um metrô em um país assim?

- Mas então, o que vamos fazer? - Minashigo olhou para várias direções, não aparentando procurar algo, mas tentando encontrar algo do qual já conhecia, e quando encontrou, apontou para a nossa esquerda. Quando me virei, um bondinho azul estava vindo, preso por trilhos no asfalto. - Não está falando sério, né?

- Não fale antes de tentar! Esse clima agradável dá Noruega combinado com uma viagem de bonde é algo que vai fazer o tempo passar sem você perceber! - Eu olhei para Minashigo, não acreditando no que ele estava dizendo.

- Não era você quem queria acelerar essa viagem? Pra onde foi toda aquela pressa de antes? - De repente, o sorriso confiante no rosto de Minashigo saiu, dando lugar para uma expressão de culpa, como se tivesse cometido algum tipo de pecado. Percebendo o quão desagradável havia ficado o clima ao nosso redor, Minashigo tentou dizer algo, mas então eu me virei até a porta dos banheiros. - Eu já volto!

- T-Tudo bem!

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Já havia passado alguns minutos desde que Erina havia me deixado esperando, e enquanto eu via o movimento das pessoas indo pra lá e pra cá, eu pensava no que eu havia dito, percebendo que eu estava indo contra o que eu havia proposto naquela casa de aluguel na Finlândia, e entendendo a razão de Erina ter reagido do jeito que reagiu. Olhei em volta no local, encontrando alguns táxis estacionados e prontos para sair, sendo a primeira coisa que pensei em sugerir quando Erina surgisse outra vez. De repente, alguém tocava em meu ombro, era Erina.

- Você não quer ir ao banheiro antes de continuarmos com a viagem?

- Não, eu... Eu tô legal! - Eu levantei de onde estava sentado, e quando levantei a mão para apontar na direção dos táxis, Erina me pegou pelo pulso, me arrastando na direção do bonde azul que havia estacionado. - Ei! O que houve?

- Não foi você quem disse que viagem de bonde faria o tempo passar sem que percebêssemos?

- M-Mas é que...

- Tudo bem! Não tem problema! - Quando Erina virou o rosto, aquela expressão de desacreditada não existia. O que estava na minha frente era uma feição que parecia tentar me fazer seguir em frente. - Inclusive, eu comprei alguns Lefses em um barzinho perto do banheiro, já que eu comi o último Golubtsi! Precisamos pagar passagem no bonde?

- N-Não! - Ficando tranquilizado pelas ações de Erina, adiantei meus passos, andando lado-a-lado com ela e até mesmo tomando a frente. Entramos no bonde e nos sentamos em uma dupla de assentos, esperando o momento em que o veículo saísse e tomasse seu rumo, e quando saiu, Erina abria a marmita de plástico que estava com ela, me entregando um dos Lefses que estava consigo, e eu aceitei. - Não sabia que você gostava de Lefse!

- Como não gostar de tortilha feita com batata e leite? - Erina balançava os ombros enquanto dizia a pergunta retórica, e enquanto eu mordia o alimento, seu semblante mudou para uma expressão preocupada. - Tudo bem mesmo?

- Tudo! Eu só.. Não sei direito! Mas eu estou bem, então pode ficar tranquila! - Eu mordi o Lefse outra vez, enquanto desviava o olhar para a janela, tentando não manter qualquer tipo de contato visual, e olhando de canto de olho, Erina mudou a expressão do rosto pra algo neutro enquanto colocava os fones outra vez, e novamente, o silêncio entre nós surgiu.

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