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- Obrigada! E desculpa te causar tantos problemas! Primeiro foi eu lá na rodoviária, depois lá na tumba e agora! Eu... - Já mais aliviada por toda a tensão de antes, sequei as lágrimas com ambas as mãos. - Eu prometo que assim que meu pai acordar, vamos embora daqui e você nun...

- Por que você quis fugir tanto da chuva? - Não sabia se Ethan mudara de assunto por curiosidade, para evitar que eu terminasse o que estava falando, ou para tentar me tranquilizar. De qualquer forma, a terceira opção era a que estava surtindo efeito em mim.

- Eu tenho um trauma de infância, com um cachorro que parecia ter sido atingido por um raio em uma chuva! Isso me persegue até hoje! - Naquele momento, o sentimento de alívio por deixar aquelas palavras saírem parecia também tomar conta de Ethan, que deu um sorriso de canto de boca, em uma feição relaxada no rosto, e só então eu percebi que aquela havia sido a primeira vez em que falei do meu trauma de forma tão natural. - (O que está acontecendo comigo? Por que eu me sinto tão livre perto dele?)

- Eu vou no depósito ver se... - Enquanto Ethan falava, eu fazia força para me levantar, me segurando no corrimão de madeira da escada, e Ethan veio até mim para me ajudar. - Você não devia ficar se levantando desse jeito com o tornozelo machucado!

- Engraçado! Parece até que estou vivendo um flashback! - Lembrar de Yumi me ajudando com a queda de bicicleta me fez sorrir de repente, e Ethan sorriu junto, provavelmente achando graça do meu comentário. - Pode ir! Eu não vou fugir da casa!

- Agora sou eu quem está em um flashback! - Ethan falava ao andar, indo até a porta do lado da escada. Com certa dificuldade, eu ia até a sala de visitas, onde encontrei meu pai ainda dormindo, mas coberto com um pano, e Sajin dormindo em outro dos sofás. Eu voltei para a escada, a tempo de ver Ethan sair do depósito com uma caixa parecida com a que Yumi havia usado pra limpar o machucado da minha queda. - Essa casa está bem quieta!

- Seu pai e o meu estão dormindo na sala de visitas!

- Então é isso! Acho que ele não quis deixar seu pai sozinho, ainda mais estando apenas os dois na casa! Tem como você sentar na escada de novo? - Dito e feito, e por estar mais disposta do que o momento anterior, consegui me sentar sozinha, ao mesmo tempo em que Ethan também se abaixava, deixando o kit no chão. - Se me permite!

A mão direita de Ethan estava sobre a minha canela, e a esquerda sobre a minha bota, e eu concordei com a cabeça para que ele seguisse com aquilo. Com o sinal verde, Ethan tirou a bota e a meia de meu pé, analisando meu tornozelo, checando se não havia sido nada grave naquela região. O toque das mãos de Ethan eram um contraste uma da outra. Enquanto a mão direita estava fria pelo recente toque na maçaneta de metal da porta do depósito, a mão esquerda estava um pouco quente por ter segurado firme a alça de plástico da pequena maleta de primeiros socorros. Após um tempo, Ethan fez o processo inverso do anterior, colocando de volta minha meia e minha bota.

- Não foi nada grave, por sorte! Não deve demorar muito pra essa dor no seu tornozelo parar! - Eu sorri, concordando com a cabeça quando seu olhar cruzou o meu, mesmo que por um rápido instante, até ele mirar no machucado em minha testa. - Esse corte também parece ter melhorado! Não está mais sangrando! Mas se me permite! - E como foi com meu tornozelo, Ethan usava as mãos para ver melhor a parte do corpo danificada, pondo ambas as mãos em cada um dos lados do meu rosto. - O sangue coagulou! Só vai ser preciso limpar! - Soltando as mãos de meu rosto, Ethan se virava para a maleta no chão, a abrindo e tirando um pouco de gaze e algodão, o molhando com álcool, se virando para mim outra vez. - Isso pode arder um pouco!

E eu acabei dando um pulinho de susto quando o algodão tocou em minha testa, ao mesmo tempo em que Ethan recuou a mão no mesmo instante. Ao me recuperar, ele repetiu o processo, e o álcool não ardia mais comparado ao primeiro toque. Com o ferimento limpo, Ethan deixou a gaze suja de lado e pegou um pequeno curativo já grudado com um esparadrapo, e com a mão direita, eu coloquei o cabelo para trás para que ficasse mais fácil cobrir o machucado. Com o esparadrapo já colocado, Ethan pegou meu rosto com as duas mãos outra vez, dando uma última olhada para garantir que estava tudo bem, e nossos olhares cruzaram outra vez quando meu corpo agiu sozinho ao por cada uma de minhas mãos em seus antebraços. Não saberia dizer quanto tempo tinha se passado, e a única coisa que sabia era que estávamos imóveis, apenas olhando um para o outro, até que senti o polegar direito de Ethan se mexer e esfregar minha bochecha. Aquele toque suave junto do sentimento de conforto e segurança me fez fechar os olhos e aceitar qualquer coisa que fosse acontecer dali pra frente, mesmo sabendo o que iria acontecer ao sentir o hálito quente de Ethan chegando cada vez mais perto do meu rosto, até que o mesmo se afastou de mim como se tivesse levado algum choque. Ao mesmo tempo em que eu abria meus olhos, um ronronar bem baixo surgia enquanto Ethan passava os dedos por entre os pelos brilhantes de um gato preto e bem gordo.

- Acho que o pelo dele é mais cuidado que o meu cabelo! - E Ethan riu, não tirando a mão do felino.

- Michael é um gato que meu pai encontrou nos fundo do restaurante! Ele estava desnutrido quando meu velho começou a dar algumas sobras de comida pra ele, até que minha mãe convenceu meu pai a trazê-lo de vez pra cá! Desde então ele tem recebido ração, água e idas ao veterinário! Meu velho sempre faz questão de levá-lo nas consultas! - Ethan olhava o gato como se fosse um irmão mais novo, passando a mão em seu pelo como se passasse a mão nos cabelos de alguém, e Michael ronronava do mesmo jeito que uma criança ria de felicidade.

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