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O bondinho retornou da sua primeira parada, até que parou uma segunda vez, também retomando o caminho de novo até que finalmente havia parado onde iríamos descer. No caminho, meus fones se tornaram obsoletos diante de Minashigo, que finalmente havia se soltado de suas correntes sentimentais, colocadas pelo tempo longe de Mari, ou por ele mesmo. Parte de suas histórias de infância eram sobre coisas simples como brincadeiras e conversas sobre sonhos e desejos, algumas vezes impossível, outras vezes sendo apenas questão de opinião, que para Minashigo, não remetiam para nada além de uma paixonite de infância, sem real definição de que sabia o que era amor ou que estaria amando. Na adolescência, Minashigo dizia que o ele tinha na infância começou a deixá-lo confuso naquela atual etapa da sua vida, como se parte dele já soubesse o que era, mas que a ficha ainda não havia caído. Apesar dele dizer que Mari era quem sempre tinha a iniciativa, foi quando ele a convidou para um passeio de bicicleta que as engrenagens do destino começaram a se mexer, e no momento em que Mari perdeu o equilíbrio por um dos pedais da bicicleta cair que a adolescente virou a bicicleta para o lado de Minashigo, fazendo ambos caírem em um terreno de terra e grama, sem sequer uma calçada de concreto. Por todo o trajeto, Minashigo não tirava o sorriso do rosto, mas o que ele iria dizer em seguida o fez dizer cada detalhe de forma lenta, como se ao relembrar daquilo pudesse levá-lo de volta ao tempo, para o momento em que aquilo havia acontecido. Seu corpo estava sendo pressionado contra a terra, graças ao peso das duas bicicletas e do corpo de Mari sobre ele, e apesar do pequeno acidente, os dois jovens riam como se fosse mais um dia normal de suas infâncias, mas ali, ali eles já sabiam o que tinha entre eles, e os olhares que ambos trocavam entregava isso. Os risos pararam quando os olhos em paz dos dois se encontraram, e sem perceber, Mari desceu lentamente sua boca até a de Minashigo, e o esperado aconteceu. Apesar do seu corpo ainda estar sendo amassado, Minashigo conta que o beijo de Mari o fez esquecer das suas pernas praticamente dormentes pelo peso jogado nelas. Ele dizia que não sabia quando que aquilo iria parar, e que nada mais importava, já que Mari estava ali com ele. Dali pra frente, não haveriam mais dúvidas, e a única coisa que existia era a vontade de fazer aquilo crescer ainda mais. Parques, cinemas e todo tipo de evento possível eram apenas desculpas para os dois demonstrarem o que sentiam um pelo outro, até que em seu aniversário de vinte anos, Minashigo a pediu em namoro, já sabendo qual seria a resposta de Mari, que também seria a mesma resposta dada seis anos depois, para o pedido de casamento. Com o bonde parando no nosso destino final, Minashigo foi na frente, dizendo que iria ao banheiro, mas que não demoraria, e eu apenas assenti. Sozinha, eu fui até a parte mais próxima da rua, com apenas alguns passos de distância para me enfiar no leve trânsito que o lugar possuía, e ao olhar para frente, eu congelei. Aquela mesma figura de preto que eu tinha visto várias vezes pela viagem estava do outro lado da rua, com os braços pendurados e parados, cada um ao lado do torso, e olhando em minha direção, possuindo ainda aquela monstruosidade pendurada em suas costas, que só então percebi que era uma espada, enterrada em carne viva, sem saber dizer se a carne era daquela figura ou de outra coisa. Eu engoli em seco, e com um ar de deleite, aquela coisa sorriu para mim. Meus instintos falaram mais alto, me fazendo dar meia-volta e correr para dentro da rodoviária, até que sem poder parar a tempo, eu me choquei com alguém que também estava na entrada, caindo no processo.

- Meu Deus, desculpa! Você está bem? - A voz era jovem, talvez um pouco mais velha do que eu, e masculina, e quando minha mente se estabilizou, eu vi sua mão estendida na minha frente.

- Estou! Eu só... - Eu segurei em sua mão, me levantando, e quando eu olhei para o homem, eu congelei outra vez. Não sentia medo ou pavor, e na verdade, eu não sabia o que eu estava sentindo. Ao me lembrar da minha situação, olhei para a rua, mas a figura macabra não estava mais lá.

- Tudo bem mesmo, moça?

- Tudo, tudo! Eu achei que tivesse visto alguma coisa estranha! Desculpa ter batido em você!

- Tudo bem! Eu deixei meu carro no estacionamento e fiquei aqui parado, tentando contatar um velho amigo! Eu não devia ter ficado aqui parado!

A voz do homem era calma e gentil, e cada palavra de desculpa que saía de sua boca me tranquilizava, mesmo eu sem saber quem ele era. Não só a sua voz, mas seu rosto também era jovem, apesar do cansaço que seus olhos demonstravam, aparentando ter no máximo vinte e cinco anos. Não tinha barba em seu rosto, e o cabelo na altura do pescoço, repicado, lhe dava um ar maduro que contribuía para o seu jeito calmo e despreocupado. Como uma âncora que me puxava para a realidade, a voz de Minashigo finalmente havia surgido.

- É sério que vocês nem me esperaram para se conhecerem?

- O que?

Inconscientemente, a sincronia entre o homem e eu surgiu, e quando eu me dei conta, estávamos nos olhando com o rosto vermelho, ainda segurando a mão um do outro, até percebermos nossa situação atual e nos soltarmos. Minashigo se aproximou ainda mais de nós, e ele e o homem desconhecido se abraçaram, e foi ao juntar aquela intimidade com a frase de Minashigo que a ficha finalmente caiu, por mais que Minashigo reforçasse os fatos depois do abraço.

- Ethan, essa é a Erina! Erina, esse é o Ethan! - Minashigo dizia, alternando a direção das mãos, nos apresentando um para o outro.

- A-A gente meio que já se conheceu! Eu corri para trás e acabei batendo nele sem querer!

- É! - Ethan ria, levando a mão direita até a nuca, evidentemente envergonhado.

- Caramba, cara! Você tá acabado! - Minashigo falava, analisando os olhos e o cabelo do amigo, e Ethan ficou com uma expressão séria e triste ao mesmo tempo.

- Não dormi direito por causa do meu velho!

- E mesmo assim veio dirigindo! E se tivesse acontecido algo de ruim?

- Eu estou aqui, não estou? - De repente, Minashigo começou a vasculhar os bolsos de Ethan. - Ei, ei, ei!! - De um deles, ele pegou um chaveiro, junto com uma chave de carro.

- Eu dirijo! - Minashigo ia até o estacionamento, confiante, até parar no meio do caminho, se virando para nós. - Você ainda mora na mesma casa, né? - E Ethan confirmou com a cabeça. - Então vamos! - E novamente, Minashigo voltou a caminhar para o estacionamento. Estando sozinhos, Ethan virou outra vez para mim.

- Ele deve ter te dado uma boa dor de cabeça nessa viagem de vocês!

- Que nada! Só quase morreu algumas vezes, mas está aí, firme e forte! - Não sendo a intenção, rimos do comentário que eu havia feito, pra só então seguirmos Minashigo até o estacionamento.

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