Uma buzina estridente tocou atrás de nós, o som no qual indicava que o ônibus que eu precisava pegar, já havia chegado ao local. Levantei rapidamente do banco, colocando a mochila sobre o ombro e me dirigindo rapidamente até o ônibus, no qual já estava recebendo alguns passageiros. Ignorei Minashigo no processo, o que me fez sentir uma incômoda pontada de tristeza pela minha pressa e grosseria, pontada essa que desapareceu ao ouvir passsos pesados e apressados atrás de mim, passos que eu já havia ouvido antes, no porto em que havíamos desembarcado.
- Erina! Espera!
- O que foi agora?
- Me deixa pedir as nossas passagens!
- Não precisa! (Nossas?!)
- Eu insisto!
- Grr então anda! - E Minashigo passou na minha frente, subindo no ônibus e chamando a atenção do motorista, e sem poder fazer nada, apenas esperava atrás dele.
- Dva bileta v yuzhnyy gorod, pozhaluysta! Odin dlya moyego druga i odin dlya menya! My platim otdel'no! [Duas passagens para a cidade do sul, por favor! Uma para a minha amiga, e outra para mim! Vamos pagar separadamente!]
Minashigo dizia alguma coisa ao motorista, ao mesmo tempo em que apontava para mim, e então, o homem no volante pegou a tal máquina e digitou alguma coisa. Minashigo colocou o celular de frente da máquina e, depois de um bip, entrou no veículo. Tomando a máquina para si, o motorista voltou a digitar algo, e ao terminar, acenou para que eu subisse, e já com o celular em mãos, apenas escaneei o código na tela do aparelho, e quando o leve som se repetiu, o motorista fez sinal para que eu entrasse. Já dentro do ônibus, procurava algum lugar para me sentar, tentando manter distância de Minashigo, mesmo sabendo que seria grosseiro de minha parte não agradecer pela ajuda que ele havia dado com o motorista, mesmo lembrando de que ele quem havia insistido naquilo, fato esse que aliviava minha consciência. Não tendo muita escolha, tive de me sentar no assento do lado contrário de Minashigo, e ao me sentar, coloquei minha mochila no banco do lado, tirei meus fones do bolso e apenas os coloquei nos ouvidos, plugando-os ao celular, sem que qualquer coisa estivesse tocando no aparelho. O ônibus começou a andar, e eu pude notar de canto de olho que Minashigo olhava em minha direção. Fechei a cara, tentando evitar qualquer tipo de conversa, mas então, explodi no momento em que percebi a mão dele vindo em minha direção. Nisso, tirei meus fones, e os coloquei sobre a mochila, junto do celular.
- Chega! Eu não aguento mais! Se eu soubesse que você ficaria na minha cola, eu nunca teria dito sobre o que se tratava essa viagem! - Minashigo recuou, claramente magoado, mas naquele momento, eu não me importava mais. - Você não tem mais ninguém para atazanar, não? - E foi nesse momento em que, sem saber, toquei em uma ferida contínua.
- ... Na verdade... Não! Eu não conheço nenhum dos meus pais! Fui criado a minha vida inteira em um orfanato, e tive poucas pessoas nas quais eu poderia chamar de amigos! - Cabisbaixo, Minashigo olhava para os próprios pés, e eu pousei minha cabeça no encosto do assento, suspirando pesadamente, me amaldiçoando pela atitude que eu havia tomado.
- Desculpa, Minashigo! Eu não sabia! Passei minha vida toda com poucas pessoas também, e é tão estranho ter alguém que você acabou de conhecer, insistindo em estar perto de você! - Virei minha cabeça em sua direção, e ele continuava lá, com a cabeça para baixo. - Você não parece ser uma pessoa ruim! Só que... Eu não sei explicar! Parece até que você se apegou a mim rápido demais! Eu olho o seu jeito de agir, e não parece nada forçado!
- ... Eu... Eu tenho meus motivos! - E o silêncio surgiu. Esperei mais um pouco, mas tudo o que recebi foi um suspiro pesado de Minashigo.
- Tudo bem! Você fala se você quiser! Eu não tenho que ficar perguntando sobre o passado de ninguém! - E mais uma vez, silêncio. Eu pegava outra vez o meu celular e os fones, até ouvir o pigarrear de Minashigo. Não sabia dizer se estava tentando chamar a minha atenção, ou apenas limpando a garganta. De qualquer forma, me virei em sua direção.
- Você sabe em qual parte da Itália o seu pai está? - O encarei por um tempo, com expressão neutra, com medo de que qualquer tipo de reação pudesse assustá-lo de novo, e ainda assim, Minashigo fez menção de virar o rosto. - Esquece! Isso é um problema...
- Ele disse que estava indo para uma escavação escondida entre as cidades do centro e do leste, no estado norte da Itália! Ao menos era o que dizia na última mensagem que ele havia mandado!
- Cidade central e leste, no estado Norte! - Minashigo parecia pensativo, repetindo tais palavras.
- Minashigo?
- Alguns dias antes de eu ter recebido meu último serviço, um velho amigo havia me mandado uma mensagem dizendo que o negócio da família, no qual ele faz parte, havia expandido! Estava super alegre na mensagem, e me dizendo para passar lá, no meu tempo livre, e bom... - Minashigo estendeu os braços em forma de cruz, e os deixou cair ao vento, ao lado do torso. - Agora é justamente o que eu tenho! Tempo livre!
- E o seu trabalho?
- Aquele era meu último serviço antes dos meus trinta dias de férias começar! - Levou as mãos aos olhos e os esfregou, talvez de sono ou por algum outro motivo do qual não sabia, pois não cheguei a perguntar, e então, se virou para mim. - Na próxima cidade deve ter um aeroporto! Você não quer mesmo pegar um avião até a Itália? As passagens são mais baratas aqui do que se comparadas ao Japão! - Houve um silêncio. Não respondi de imediato, e ao invés disso, me virei para a janela, ainda noite, observando as casas e carros que passavam enquanto o ônibus fazia seu caminho.
- Posso soar egoísta, mas eu não me preocupo tanto com o dinheiro! É claro que o dinheiro é importante, e eu sei que, se eu pagasse por um meio mais caro, eu chegaria até meu pai mais rápido! Mas nas duas últimas semanas, eu tenho lido várias das anotações que ele fazia dos lugares em que passou! Seja sobre algum conhecimento novo ou até mesmo um comentário sobre aquilo! Eu lia sobre seus meios de transporte, e me perguntava como era a sensação de passar por tantos lugares, ao invés do que simplesmente pegar um avião e ir do ponto A ao B! Ele marcava cada local que passava, fazendo sua rota ser A, B, C e assim por diante, e eu adorava ler sobre aquilo! Dava uma sensação tão... Livre! Você passar por vários locais, mesmo de ônibus ou trem, seja a vapor ou metrô! - Voltei meu olhar para dentro do ônibus, fitando minhas mãos em meu colo. Eu estava com uma expressão animada em meu rosto ao falar tudo aquilo, e de repente, a animação virou tristeza. - Eu só queria poder passar por isso tudo... Com o meu pai!

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General FictionExplorações, registros, conhecimentos, comentários sobre tais coisas, eram coisas que Erina admirava no homem da sua vida, seu pai. Desde sempre, a garotinha do papai mostrava interesse na profissão do homem que cuidava da família, e em resposta, o...