O trem já havia passado por algumas cidades, e não havia sido estabelecido qualquer tipo de diálogo desde que Minashigo tinha suspirado profundamente, assentindo a ideia de cruzar todo o restante da Rússia e chegar logo na fronteira do país com a Finlândia. O silêncio então se instalou, e eu apenas coloquei meus fones em minhas orelhas no momento em que olhei para o lado e vi que Minashigo havia caído no sono outra vez. O trem não reproduzia qualquer tipo de choque ou impacto ao se locomover de uma cidade para a outra, o que fazia a viagem ser a mais calma possível, e talvez já sabendo disso, Minashigo havia pousado a cabeça para trás, encostando no vidro da janela selada da locomotiva. Olhei em volta, os passageiros vinham sendo trocados a cada parada que o trem realizava, e em um momento o mesmo estava lotado, em outro, vazio, alternando várias vezes entre as trocas de cidades. De pouco em pouco, Minashigo parecia estar despertando de seu sono, e com o tédio pairando sobre mim, observá-lo não aparentava ser uma ideia tão ruim. Os olhos abriam e se encontravam com o branco do teto do trem, e então, procuravam as pessoas ao seu redor, e ao se encontrarem aos meus, piscaran pesadamente, duas vezes, e um bocejo surgiu, que Minashigo fez questão de abafar com a mão direita, e nisso, tirei os fones de minhas orelhas, deixando-os pendurados pelo arco do acessório que pendia em minha nuca.
- Você pega no sono muito fácil!
- São esses fuso-horários de um lugar para o outro! Eles me deixam maluco! Onde estamos? - Apontei para um mapa que estava do outro lado do vagão. O mapa continha uma pequena luz em cada uma das cidades que o trem passava, e atualmente, a luz da cidade em que estávamos estava acesa.
- Passando essa cidade, a próxima cidade já faz fronteira com a Finlândia!
- Misericórdia! Por quanto tempo eu dormi?
- Duas horas e meia! O trem não parou em algumas cidades e então acabou seguindo direto!
- Entendo! - Minashigo levava a mão esquerda para trás da cabeça, parecia estar coçando a nuca, até que algo aparentou ter vindo em sua memória. - Você me chamou de Bela Adormecida no ônibus? - Foi impossível para mim, segurar a risada.
- Agora que você me pergunta isso?
- Eu sabia que eu tinha sido chamado assim, só não estava lembrado de quando tinha sido isso!
- Como eu disse, você pega no sono muito fácil! Mas tudo bem! Eu não vou ficar falando da mania dos outros!
- E você? É sempre ligada no duzentos e vinte? - De repente, a barriga de Minashigo protestou, e eu não podia culpá-lo, já que sanduíches dificilmente matavam a fome de alguém.
- Eu sempre tive boas noites de sono! Até nos anos de faculdade, eu não deixava os problemas afetarem o meu sono! Talvez seja por isso que eu consegui dormir normalmente no navio, com exceção do momento em que eu tinha chegado e cochilei um pouco! Aquilo sim me trouxe uma droga de uma dor de cabeça! - Eu dizia, enquanto eu abria a mochila, tirando dela uma das metades de sanduíche, entregando-a para Minashigo.
- Isso é porque você ainda não trabalha! Depois que começar a trabalhar, diga adeus ao seu sono perfeito! Não falo por maldade, mas como um tipo de aviso! - Minashigo então mordiscou o sanduíche, e eu apenas observava aquilo. Não tinha como continuar uma conversa que já havia acabado, mas Minashigo começou outra, ao terminar de engolir o pedaço do lanche que estava em sua boca. - Foram quantos anos que você estudou para se formar? Digo, apenas na faculdade!
- Quatro anos! Não era necessariamente arqueologia! Tive que fazer aulas de outras matérias complementares, mas ao todo foram longos quatro anos! - Minashigo encarava algo em sua frente, e eu percebi que esse algo era na verdade um vazio, já que do outro lado do vagão, apenas havia uma fileira de assentos vazios. De repente, riu.
- E pensar que eu consegui esse emprego por indicação! - Pôs a mão esquerda no rosto, balançando a cabeça para os lados, e então parou tão rápido quanto havia começado. Olhou em minha direção, e lá estava eu, com um olhar de curiosidade, querendo saber mais. - Eu sempre tive costume de ler! Desde que eu me entendo por gente eu estava com algum livro nas mãos, e a biblioteca do orfanato era enorme! Quando começamos à ser mandados para escolas, eu acabei sendo um desses jovens prodígios que você costuma achar por aí, e terminando o técnico, já tinham empresas me ofertando empregos! Acabei não fazendo faculdade, já que fui direto para a parte do trabalho!
- E sobre... Aquilo de outras pessoas influenciarem na sua decisão? - Não houve uma resposta imediata, ao invés disso, Minashigo encarava o sanduíche mordido na mão, cabisbaixo, e após algum tempo, levantou a cabeça, encarando outra vez o vazio em sua frente.
- Havia uma pessoa, no orfanato em que eu morei! Foi ela quem disse que eu levava jeito para tradução simultânea, então eu apenas aceitei o possível rumo que eu poderia tomar! - Um sorriso veio em seu rosto, e depois de um breve momento, se esvaeceu.
- Acho que, no meu caso, não teve nenhum tipo de influência mesmo! Eu apenas tive curiosidade de saber o que o meu pai estava fazendo em um quarto cheio de cadernos velhos que temos em nossa casa! Ele se conteve de início, mas logo começou a mostrar o que costumava escrever das suas visitas ao redor do mundo! Talvez ele tivesse receio de que eu não fosse me interessar, já que eu tinha apenas sete anos na época, mas a verdade é que eu me encantei por cada palavra que estava escrita naquelas folhas amassadas! Acabei lendo mais e mais daqueles cadernos e, bom, o interesse de viver disso surgiu! - Instintivamente, abracei minha mochila que já estava em meu colo. - Eu ainda não sei como essa viagem vai acabar, mas eu espero de verdade, que eu possa seguir em frente com esse desejo! - Com a visão periférica, pude perceber Minashigo olhando em minha direção, e seu sorriso havia retornado.
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Genel KurguExplorações, registros, conhecimentos, comentários sobre tais coisas, eram coisas que Erina admirava no homem da sua vida, seu pai. Desde sempre, a garotinha do papai mostrava interesse na profissão do homem que cuidava da família, e em resposta, o...