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O caminho todo foi feito em silêncio. Enquanto Minashigo havia ocupado o banco do motorista, eu instintivamente me sentei no banco traseiro, achando que os dois amigos iriam querer ficar juntos para por a conversa em dia, mas o sono havia vencido Ethan de tal forma que o mesmo preferiu se sentar no banco traseiro para descansar nos poucos minutos que a viagem vinha sendo feita. Do meu lado, Ethan não fazia qualquer ruído sequer enquanto dormia, e eu me via obrigada a por dois dedos abaixo de seu nariz para confirmar que ele ainda respirava. De tempos em tempos, eu alternava meu olhar da janela do veículo para o retrovisor interno, me surpreendendo sempre que o espelho mostrava Minashigo olhando para trás por ele. Em uma situação normal, aquilo não faria diferença, pois ele poderia apenas estar olhando se teria algum carro muito próximo de nós, mas sempre que eu o via olhando para trás, uma vontade de me esconder surgia, mesmo eu não sabendo o motivo disso. De repente, o carro parou na frente de uma casa relativamente simples, e silenciosa, com portas e janelas fechadas e um furgão na frente do estacionamento da residência. Percebendo aquilo, Minashigo balançou o joelho direito de Ethan que, com relutância, acordou.

- Tem um carro na frente da sua garagem! E agora? - Ainda em lentidão, Ethan olhava para a sua casa pela janela, aparentando frustração no rosto ao ver o furgão.

- Eu achei que eles já tivessem ido embora a essa hora!

- Eles quem?

- Tem uma padaria que eu frequento, perto daqui! São uns dois quarteirões para frente! Estou precisando de um café bem forte! - E não tendo sua resposta, Minashigo apenas começou o trajeto até a tal padaria, e de repente algo veio em minha memória.

- Minashigo! Nós não comemos tudo o que nós compramos na França!

- É verdade! Ethan, se precisar!

- Eu agradeço, mas preciso mesmo de um café!

- Ótimo! Mais um louco por café sem açúcar! - O tom brincalhão na voz de Minashigo deixava claro para quem sua fala era dirigida.

- Vou fingir que não ouvi isso!

Fiz menção de pôr os fones enquanto eu falava, até que o carro parou outra vez. Havíamos chegado na padaria que Ethan havia mencionado, e em sincronia, nós três saíamos do veículo. Nos sentamos em uma das mesas do lado de fora, e por conveniência, um garçom vinha em nossa direção após ter entregado os pedidos de outros clientes na outra mesa.

- Bom dia! - Ao mesmo tempo em que dizia, o homem entregava os cardápios, e enquanto Ethan recusava o folheto gentilmente, Minashigo e eu olhávamos as opções, até quase entregarmos o menu ao mesmo tempo.

- Um tiramisu, por favor! Com um café com leite! - Minashigo havia sido o primeiro a pedir.

- Panquecas de queijo! E uma água, por favor! - Ethan não pareceu estar disposto a pedir logo depois de Minashigo, então acabei tomando a frente.

- Apenas um café! Sem açúcar ou leite! - O garçom anotou os pedidos, pediu licença e voltou para dentro do estabelecimento, e aproveitando a deixa, Ethan também se levantou. - Eu vou no banheiro, jogar uma água na cara! Eu já volto! - E então, saiu. Reparando a distância entre o amigo e a mesa em que estávamos, Minashigo virou para mim, com um olhar questionador.

- O que foi? - Eu respondia sobre aquele olhar interrogatório, tentando entender o que estava se passando na cabeça de Minashigo.

- Eu é que te pergunto! Você e o Ethan lá na rodoviária, de mãos dadas! - E então a ficha caiu.

- N-Não é nada disso que você está pensando!

- Ah para! Você está até gaguejando!

- *suspiro* Eu já disse! Eu caí e ele me ajudou a levantar, e nós só nós esquecemos que ainda estávamos segurando a mão um do outro! É só isso!

- Erina, eu te contei sobre a Mari e eu! Eu sei que...

- Você já esqueceu que eu não estou aqui pra namorico? - E então, a expressão de graça de Minashigo saiu, dando lugar para uma feição melancólica. - Desculpa! É que... Eu sei lá! Eu estou esquisita desde que pisamos na Itália!

- Tudo bem! - Eu pegava o celular, vendo que eram quase uma da tarde no Japão, e seis da manhã aqui na Itália. - Mas foi você quem falou em namorico! Eu sequer citei essa palavra ou outra coisa do tipo!

- Ora, seu...

- Eu perdi alguma coisa? - Como um ninja sem fazer qualquer ruído, Ethan tinha voltado, já se sentando em seu lugar.

- É que... - Meu corpo agiu sem pensar, e eu tapei a boca de Minashigo com as mãos antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.

- Nada! Não é nada! Sabe como o Minashigo é! Se der liberdade, ele fala cada coisa haha!

- É, isso é verdade! - Aparentemente, o sono ainda pesava em Ethan, o fazendo não querer ter mais curiosidade sobre o ocorrido, me deixando aliviada, e em paralelo, o garçom chegava com os nossos pedidos.

- Bom apetite!

- Obrigado/a! - E o garçom ia embora, nos deixando na mesa. Sem pestanejar, Ethan segurou na alça da xícara com café ainda soltando fumaça e virou o líquido na boca, tomando tudo em um único gole enquanto Minashigo e eu assistíamos a cena.

- É uma Erina versão homem!

- Eu juro que mais uma dessas e eu te bato igual no...

- Já estou um pouco melhor! - Nos ignorando, Ethan colocou de volta a xícara no pires. - A Nelleo se superou quando fez o Jiburi! Aquele carro é praticamente uma cama ambulante! Consegui cochilar um pouco no caminho até você me acordar, Minashigo! - Eu preferi ficar de fora da conversa e me concentrar apenas nas panquecas, mas Minashigo aparentemente esqueceu seu tiramisu ao encarar o velho amigo por um tempo.

- Ethan! E sobre aquela van na frente da sua casa? - Evidentemente querendo evitar o assunto, Ethan colocou a mão direita sobre os olhos, deitando a cabeça até o rosto se virar completamente para cima.

- É o pessoal que faz a manutenção nas partes robóticas do meu velho! Uma vez por ano eles vem e dão uma checada pra fazer alguns ajustes ou até mesmo trocar os membros!

- Ah... Deve ser... Doloroso!

- Meu velho diz que não dói nada! O que incomoda mesmo são os sons de bips que as maquininhas usadas fazem! Sempre que eu fico em casa com aquele pessoal lá dentro, eu sinto que eles estão mexendo em um robô, e não no meu pai! - Eu engoli em seco, pois o pedaço de panqueca que eu tinha na boca já havia descido antes. Não era impossível, mas não imaginava que o amigo de Minashigo também teria problemas pessoais por causa de algo envolvendo seu próprio pai.

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