"Os registros de meu pai não mentiram, mas não era como se eu não acreditasse, pois havia a possibilidade daquilo que havia sido registrado antes, acabar mudando, mas não foi o caso. As ruas em que o ônibus transitava começaram escuras, e de repente, pareciam como se sempre estivessem cheias de um brilho dourado, que era emanado das várias lâmpadas acesas, penduradas nas paredes de construções em ótimo estado, deixando em aberto se haviam sido criadas recentemente, ou reformadas, ou sequer foram tocadas por qualquer mão humana que fosse, com exceção da mão do tempo. O brilho dourado e incansável expulsava qualquer escuridão que tentasse preencher as ruas nas quais passávamos, deixando o breu da noite ser única e exclusiva do céu que pairava sobre nós, céu esse que também não dava lugar para o escuro, estando repleto de estrelas, algumas delas dando a impressão de terem se mexido, conforme o movimento do veículo de grande porte no qual eu me encontrava."
Li mais uma vez o texto que eu havia escrito em meu celular, e ao terminar, olhei para a janela do ônibus, ainda em movimento, procurando mais alguma coisa que fosse valer a pena registrar, mas para a minha frustração, a busca não mostrou nenhum resultado algum. Salvei o que já havia escrito e coloquei o aparelho sobre meu peito, fechando meus olhos. Pensava se deveria registrar o que vinha acontecendo desde quando tinha saído de casa, e com isso em mente, revisitei todo o trajeto tomado em minhas memórias. O circular para a rodoviária, o ônibus para a cidade do leste, o contratempo com Yumi, o avião que havia decolado e o navio que salvou minha jornada, até mesmo o encontro com o tio Tony. Ao relembrar todos esses acontecimentos, um sorriso involuntário e sincero surgiu em meu rosto. Cada um daqueles momentos, até mesmo o avião partindo sem mim, haviam um pequeno esmero, trazendo uma sensação de calma e conforto em cada uma dessas lembranças, fazendo eu me sentir em uma espécie de lar. Abri os olhos, e ao olhar para o lado inverso da janela... Preocupação e curiosidade, misturados, surgiram. Minashigo olhava um pequeno retrato, do tamanho de uma foto que poderia ser usada em documentos pessoais, e olhando aquela pequena fotografia, seus olhos estavam vermelhos, e lacrimejavam, o líquido salgado saído de seus globos oculares quase transbordando para fora, e ao fechar os olhos, parte das lágrimas caíram sobre seu rosto. Pegou a carteira do bolso esquerdo da calça e guardou a foto, e ao por a carteira de volta no bolso, usou ambas as mãos para secar as lágrimas que haviam caído, esfregando os olhos logo em seguida. Peguei o celular outra vez, fingindo olhar o que estava na tela em minha frente, e com a visão periférica, pude ver Minashigo abrindo os olhos, e respirando de forma ofegante. Coloquei meu celular sobre o colo e abri minha mochila, pegando outras duas metades dos sanduíches de atum guardados, levando um até minha boca, e o outro, na direção de Minashigo, que inicialmente colocou a palma da mão na frente, recusando, e então, seu próprio estômago protestou.
- Acho que eu não tenho escolha dessa vez, haha! - E então, pegou o sanduíche, não demorando para mordê-lo de uma vez.
- Tudo bem com você? - O olhar confuso de Minashigo deixava claro que não havia entendido direito a pergunta. - Digo, parecia que você estava quase chorando!
- Ah! É isso! - Minashigo levou um tempo. Parecia pensar nas palavras que iria dizer, e então, disse. - Não é nada! São só... Algumas coisas... Que eu gosto de me lembrar! - Mordeu outra vez o sanduíche, mastigando rápido e engolindo o tanto que tinha na boca. - Você parecia escrever algo no celular!
- Estava anotando algumas coisas! Só me lembrei agora de que isso fazia parte do percurso! Sem falar que sempre gosto de reler esse tipo de registro! - Talvez por ter me empolgado em falar algo de que eu gosto, mas ao terminar, pude perceber que Minashigo sorria serenamente em minha direção.
- Entendo!
- O que foi?
- Estava pensando, seu nome... Ele é em latim, significa poetisa! Seus pais já explicaram o motivo da escolha do seu nome? - Desviei o olhar de Minashigo para o meu celular que ainda estava em minhas mãos, e suspirei. Não era um assunto do qual não queria falar, mas só de lembrar do que se tratava, meu fôlego era extraído de meus pulmões. Era algo tão bonito de se lembrar.
- Minha mãe escrevia na época de escola! Vivia com uma caneta e um caderno em branco nas mãos, e escrevia sobre qualquer coisa que lhe desse na telha! Quando estavam saindo juntos, minha mãe deu para o meu pai uma folha com um texto! O texto dizia sobre como era difícil para os pássaros respirarem na neve, pois o frio dificultava o processo, e como de repente, o brilhante e caloroso sol de verão derretia toda a neve ao seu redor, fazendo o pássaro querer que aquele sol continuasse ali para sempre! - Com um sorriso no rosto, coloquei o celular contra meu peito, como se, ao fazer aquilo, talvez eu pudesse sentir o que minha mãe sentia ao escrever cada palavra daquele texto.
- Então seu nome foi escolhido pela sua mãe?
- Pelo meu pai! Pois segundo os dois, eu tinha sido o poema que eles haviam criado! A Personificação do sentimento que os dois tinham criado e alimentado! - Apesar da felicidade ao relembrar tudo aquilo, me coloquei na posição de Minashigo, tentando pensar como deve ter sido para ele ouvir tudo aquilo, e então, meu sorriso começou a ceder, e Minashigo riu ao perceber isso.
- Não se preocupe! Você não tem culpa de eu não conhecer meus pais! E eu admito! É uma história muito bonita!
Pensei em dizer algo, mas resolvi apenas a acenar positivamente com a cabeça, deixando claro que havia entendido o que ele queria dizer. De repente, o tempo havia passado em um piscar de olhos, e sem aviso prévio, o ônibus parou. Olhei pela janela e confirmei o que havia pensado: o ônibus tinha chegado na cidade do sul.

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قصص عامةExplorações, registros, conhecimentos, comentários sobre tais coisas, eram coisas que Erina admirava no homem da sua vida, seu pai. Desde sempre, a garotinha do papai mostrava interesse na profissão do homem que cuidava da família, e em resposta, o...