Depois que o ônibus havia ligado e seguido em frente em seu caminho, o velho silêncio de sempre voltou e se instalou no veículo, com algumas sutis quebras na atmosfera criada pela falta de sons presentes, quebras essas que surgiam dos outros passageiros, e uma delas, de Minashigo, que tentou abrir outra vez a lata de chá. Tirei os fones da embalagem, e os olhando, me questionei se deveria ter escolhido melhor o formato do acessório. Não é como se eu não gostasse do formato de arco, passando de uma orelha para a outra, por cima da cabeça, mas o pequenino formato dos fones que minhas botas esmagaram acidentalmente era ideal, tanto para uso, quanto para guardar o acessório. Com os fones sobre a minha cabeça e em meus ouvidos, os pluguei em meu celular, e deixei reproduzir alguma faixa aleatória do dispositivo, testando assim os fones, que mostravam ser de boa qualidade. Olhei de relance, e pude ver Minashigo procurando algo em sua maleta, ou apenas arrumando o conteúdo dentro da mesma. Tirei meus pés do assento em minha frente, ocupando apenas o lugar onde estava sentada, e o lugar onde havia deixado a minha mochila. Mesmo olhando o movimento pela janela, pude ver pela visão periférica, que eu havia tomado a atenção de Minashigo ao me ajeitar em meu assento. Com o lugar livre ao seu lado, ele poderia por sua bagagem ao seu lado, e foi o que Minashigo fez, apesar de que ele também poderia tomar o lugar vago para si, e por a maleta no lugar em que já estava sentado. Com o movimento do ônibus, e a única coisa que quebrava o silêncio era a música em meus fones, alguns pensamentos surgiam em minha mente. Como a minha mãe estava? Será que estava tudo normal em casa? E as garotas? Será que estavam se divertindo sem precisar se preocupar comigo? E meu pai? Será que eu acabaria recebendo a pior das notícias ao chegar em solo italiano? Balancei a cabeça, tentando jogar os pensamentos para o fundo escuro da minha mente, ao mesmo tempo em que arrumava o arco do fone, que havia cedido ao movimento de minha cabeça e deslizado um pouco para frente. Com o celular em meu colo, peguei a outra lata de chá que ainda estava guardada atrás da minha mochila. O vendedor não havia mentido quando disse que se tratavam de latas térmicas, pois eu ainda podia sentir o recipiente ainda quente ao por a lata em minhas mãos. Puxei o lacre de metal, abrindo a lata e tomando um gole da bebida contida no recipiente, e o tempo de terminar aquele gole foi o suficiente para que o nascer-do-sol acontecesse. Peguei o celular em meu colo e olhei o relógio. Já havia se passado uma hora e meia, desde que saímos da rodoviária da cidade do sul, e o relógio indicava que era exatamente seis da manhã. Guardei o celular outra vez, no mesmo lugar de antes, e com a lata sendo segurada por ambas as mãos, eu observava o sol surgindo de forma decidida, tomando o centro do céu para si, trocando o azul escuro da noite por um azul claro e tímido, fazendo surgir algumas nuvens brancas no céu, e criando uma aura alaranjada ao seu redor. Com a luz clara da manhã surgindo, várias das lâmpadas usadas para criar a luz que iluminava na madrugada, iam sendo desligadas em um efeito dominó, e de repente, no silêncio criado após a faixa de música ter se encerrado em meus fones, um som de máquina fotográfica surgira de algum lugar. Pensei que o som pudesse ter sido de algum lugar que o ônibus já tivesse passado, então sequer iniciei algum tipo de busca pela fonte do som. Encostei minhas costas no acento em que estava, voltando meu olhar para dentro do ônibus, onde vi Minashigo mexendo em uma pequena máquina fotográfica em suas mãos, aparentando passar por imagens já registradas pelo dispositivo. Abaixei o arco do fone, o virando para trás até que o mesmo tocasse no cabelo em minha nuca, e Minashigo dirigiu seu olhar em minha direção.
- Não me lembro de um nascer-do-sol tão bonito e tranquilo como esse!
- Não podemos ver o nascer-do-sol no Japão, mas conseguimos ver o da Rússia! O efeito do sol surgindo... Pareceu tão mágico!
- Concordo! Tudo em volta mudou quando ele apareceu! - Distraído, Minashigo voltou o olhar para a máquina em suas mãos.
- Desde quando você estava com essa máquina?
- Eu comprei naquela loja, onde tínhamos nos encontrado, e você achou os seus fones!
- Parece uma câmera polaroid!
- E é! - Minashigo se aproximou, me entregando a câmera, a qual eu peguei, e comecei a passar pelas fotos que ele já havia tirado. - Fazia um tempo que eu não via uma dessas! Acabei comprando!
- E você não perdeu tempo em registrar as coisas... - E enquanto eu passava pelas fotos, uma foto minha surgiu, me pegando de surpresa. - Ao seu redor! - Na foto, eu estava olhando pela janela, distraída, com a lata de chá em mãos, e o brilho alaranjado do sol levantava a dúvida de que, se naquele momento, o sol estava nascendo ou se pondo. Virei a câmera para Minashigo, mostrando tal fotografia. - Uau!
- Posso apagar, se você não tiver gostado!
- Gostei, sim! Na verdade... Já fazia um tempo em que não me via tão calma desse jeito! - Devolvi a câmera para Minashigo, que a pegou de volta, sorrindo. - Tem filme?
- Sim! Quer uma cópia dessa foto?
- Quero! - E apertando algum botão na câmera, a mesma cuspia a fotografia impressa, no velho estilo polaroid de sempre, com um contorno em branco em volta da foto, e um pequeno retângulo igualmente branco na parte de baixo da fotografia. Minashigo pegou a foto e a entregou para mim. - Obrigada! Eu realmente gostei dela!
- Eu tive uma dessas, na época em que vivi no orfanato! Sempre andava pra lá e pra cá com ela na mão, brincando com... Deixa pra lá! Que bom que tenha gostado da foto! - Minashigo balançou a cabeça, e eu fiz menção de perguntar o que havia acontecido, mas ao ver Minashigo guardando a câmera na maleta, resolvi que deveria deixar esse assunto de lado. Abri um dos zíperes em minha mochila e guardei a fotografia, tomando cuidado para que a mesma não amassasse.

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General FictionExplorações, registros, conhecimentos, comentários sobre tais coisas, eram coisas que Erina admirava no homem da sua vida, seu pai. Desde sempre, a garotinha do papai mostrava interesse na profissão do homem que cuidava da família, e em resposta, o...