CAPÍTULO 25

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O Estrela do Crepúsculo aproximava-se do velho continente. Adiante já era possível avistar a grande cidade de Tchilla. Construções baixas em rocha avermelhada acompanhavam o relevo estendendo-se até onde a vista podia acompanhar. De longe viam-se estátuas de grandes proporções, porém havia algo que desafiava a percepção e crença dos lacoreses: uma massiva e alta construção de pedra elevada como um monte.

- Não fala sério? Um templo? - disse Kyle incrédulo, estonteado pela visão que desafiava seus conceitos. - Nem mesmo entre os silfos...

- Vai dizer que nunca ouviu falar no Octógono Sagrado de Tchilla? - retrucou An Lepard assustado com a falta de cultura do rapaz. Olhou para os demais questionando. - Archibald? Kiorina?

Kiorina veio ao resgate dos lacoreses - Eu já, é claro! Mas confesso que não imaginava algo assim tão grande. Li muitas coisas interessantes sobre os reinos bárbaros, havia muitos livros na Alta Escola. - e complementou - O povo de Lacoresh tem pouco contato com as culturas externas. Culpa você sabe de quem, não é Archie?

- Felizmente, havia claras distinções entre os monge Naomir e a Real Santa Igreja. - justificou o ex-monge. Sua antiga ordem era subordinada à poderosa igreja lacoresa. - Mas resumindo, a igreja esconde verdades para proteger o povo da barbárie do mundo. Escravidão entres os silfos, sacrifícios humanos entre os tchilianos e assim por diante.

- Sacrifícios humanos? - questionou Kyle.

- Um dos motivos pelos quais estas são chamadas de terras bárbaras. - revelou Kiorina - Mas nem tudo é como dizem. Há reinos antigos, povos adiantados e costumes muito diferentes dos Lacoreses. Muitos deles são tão isolados como nós. São poucos que como os dacsinianos têm maior abertura. Muitos povos se isolam para evitar conflitos.

- Por falar nisso, An Lepard - perguntou Archibald - não houve uma guerra recente entre Dacs e Tchilla?

- Não durou muito. - desconversou o marujo subitamente sério.

- Por Forlon, Leivisa e Uraphenes! - exclamou Kyle - Essa cidade é muitas e muitas vezes maior que a nossa capital.

An Lepard explicou - Olha Kyle, é ainda maior do que é possível avistar daqui, acredite. Ao menos eles não são um reino, mas sim apenas uma cidade. Ouvi dizer que a cidade tem mais que dois milhões de habitantes.

- Uma ovelha desgarrada - disse Gorum.

- Ovelha? Do que está falando? O que sabe sobre Tchilla?

- Garoto! Respeite meus cabelos brancos... Acha que os cavaleiros mais graduados não aprendem sobre política externa? E seu pai também me contou muito de suas viagens, ele já esteve nestas bandas, sabia?

Kyle franziu a testa e fez careta - É já soube disso, mas não graças a você.

- Ah garoto! O que é isso agora? Começou a gostar de saber da vida de seu pai de repente? Não é culpa minha você fazer cena sempre que eu tentava lhe falar algo sobre seu pai. Bah! Como se isso fosse algum segredo...

Kyle deu com os ombros sentindo-se desinformado e a discussão foi interrompida por Kiorina. - Ovelha desgarrada, você dizia...

- É, Tchilla tornou-se independente do Império de Keldor, que fica ao norte, há muito tempo. - explicou Gorum - E seu poderio militar, que é enorme, concentra-se na defesa contra ataques dos keldorianos, que mesmo depois de tanto tempo...

Lepard sorriu - Vejo que os veteranos lacoreses sabem algo das questões externas quando o assunto é a guerra.

- Assim como os dacsinianos sabem das coisas quando o assunto é ouro. - retrucou o gigante com tom de brincadeira.

- Fale mais sobre o grande templo, An Lepard. - Pediu Kyle, cada vez mais fascinado na medida em que se aproximavam, ficando visíveis seus enormes degraus ascendentes, que mais ao longe se assemelhavam aos contornos de uma colina.

- Não sou um especialista no assunto, mas Georges... - fez um pausa olhando para baixo lembrando-se do companheiro que perderam numa batalha contra os silfos - ele conhecia muito sobre os tchilianos. Ele era um dacsiniano esquisito que aprendeu a gostar dos deuses de outros povos. Mas enfim... O octógono é o principal templo de Tchilla que também é conhecida como a cidade dos cem templos. Em oposição completa aos dacsinianos que não tem um deus sequer, os tchilianos são religiosos fervorosos e muitas vezes fanáticos que adoram dezenas e dezenas de deuses. Eles têm deus para tudo. Deus do vento, fogo, água do mar, águas dos rios, nuvens, fertilidade, guerra, enfim, o que imaginar. Bem, mas isso não é tudo, há oito deuses favoritos e para cada um deles, uma das paredes, ou melhor, escadarias do octógono foi erguida. Sabe, esses tchilianos não batem bem da cabeça. Há concursos entre eles para decidir quem irá oferecer a própria vida em sacrifício a determinados deuses. E todos os anos, não faltam concorrentes. Voluntários para morrer. Acreditam nisso? Suicidas malucos! - Lepard riu-se e disse - Bem, graças aos deuses que não acreditamos em deuses em Dacs.

Archibald quis complementar - Em alguns aspectos, li que os deuses adorados por eles são parecidos com os nossos, porém, eles o fazem de um modo mais primitivo e menos refinado. Eles não compreendem a grandeza e nobreza de valores das divindades. Concentram-se apenas em efeitos, pedidos e prazeres. Como se a religião envolvesse barganhas. Rezam por dinheiro e posses e quando sentem ira, inveja e ódio, rezam pedindo que a desgraça recaia sobre os inimigos. Antes da Real Santa Igreja, já ocorreram práticas menos nobres nos cultos em nossas terras. Mas tudo isso já se passou há muito tempo, profetas e escrituras inspiradas pelas divindades vieram a esclarecer certas confusões e eliminar as práticas pagãs.

- Isso é verdade - concordou Kiorina - Posso não concordar com tudo sobre a Real Santa Igreja, mas dou meu braço a torcer. No fundo, os ensinamentos são bons levando as pessoas a vidas mais pacíficas e equilibradas. Seria injusto atribuir as desigualdades em Lacoresh à Igreja, quando estas estão mesmo mais ligadas à nobreza.

- Enfim, logo mais, todos vocês terão a oportunidade de conhecer tudo sobre a exótica Tchilla e seus numerosos habitantes.

A pessoa capaz de tirar a atenção de Kyle dos templos e da cidade chegou ao tombadilho. O olhar do rapaz se iluminou, mas Lepard e Kiorina desviaram o olhar.

- Blequeuin, queridin! Vou dizer logo o que deve aprender sobre tissilians. Nan confie, nansi aproxime e nan fique entre eles muito tempo. Se fazer diferente, se arrepender.

Claudine encarou Kiorina com um sorriso nos lábios e, em seguida, beijou longamente e boca de Kyle.

Gorum pigarreava alto, mas não chegou a encurtar as demonstrações de afeto entre os dois.

Pouco depois, Kiorina indagou - Claudine, posso saber o porquê de tanto desprezo pelos Tchillianos? 

An Lepard balançou a cabeça enquanto Kiorina perguntava.

Claudine respondeu alterada - Tolinha... Nan sabe da guerra? Será preciso mais motives?

Pouco depois, An Lepard cochichou ao pé da orelha de Kiorina - O pai dela morreu na guerra. - A ruiva corou.

- Para a proa, queridin? - Claudine desceu puxando Kyle atrás de si.

Gorum cochichou algo para Archibald e ambos começaram a segurar, sem muito sucesso, gargalhadas. Desta forma, irritavam ainda mais a ruiva.

Kiorina, mais que corada, olhou para os dois com olhar fulminante e desceu com passos sonoros para o lado oposto até a popa da embarcação.

An Lepard deu com os ombros e acompanhou as gargalhadas de Archibald e Gorum. - Bom humor, não é mesmo Gorum? Nada como o bom humor!

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