CAPÍTULO 56

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Havia sempre uma brisa fresca que vinha de direções variadas e tornava o clima do local agradável. Sentar-se ali e observar a rica vegetação e inúmeros canteiros de flores era muito relaxante. Uma dúzia de regatos de água rasa e cristalina cruzava todo o entorno da grande árvore.  Os pomares com frutificações generosas cobriam uma imensa gama de cores e sabores. Morangos enormes, do tamanho de maças, eram os preferidos de Kyle, enquanto Lila adorava as peras suculentas e de corpo alongado que eram chamadas pelos nativos de Fruta Dourada. De fato, o brilho amarelado da fruta era algo incomparável.

Kiorina ficara excitadíssima com o local no primeiro dia. O lugar paradisíaco, protegido e saturado por uma energia mágica com que nunca tivera contato a deixou deslumbrada. Entretanto, ela e Gorum haviam partido, deixando Kyle para trás. Apesar da irritação de Kiorina e Gorum, Kyle não chegou a alterar seu estado de espírito. Estava sempre calmo, melancólico e decidido a permanecer naquele santuário.

As mudanças vieram ainda na primeira noite que estiveram em Banzanac, antes de conhecerem o peculiar senhor daquele povoado. A pequena fada que Kyle julgou estar morta, ainda quando estavam nos arredores de Dacs, meses atrás, despertou de seu longo sono. Kyle acordou, sentido calor pulsando sobre seu peito vindo do amuleto que carregava. Saiu da cama que dividia com Gorum e desceu a escadaria enrugada de raízes torcidas até chegar ao chão. Insetos noturnos cantavam suavemente e Kyle, ao olhar para o alto, teve a impressão de que chovia, ou nevava. O fato é que partículas caíam aqui e ali, lentas como fuligem, mas não eram água. A substância translúcida de brilho azulado e pálido, ao ser tocada, se desfazia e desaparecia. Bem no alto, como uma imensa abóbada de catedral, a copa da árvore gigante se estendia em todas as direções ocultando estrelas e corpos celestes.

"Uma chuva fantasmagórica". Pensou Kyle enquanto admirava o espetáculo.

Podia ver algumas luzes em poucas janelas do vilarejo. Nem todos dormiam. Tantos estímulos sensoriais o fizeram esquecer o motivo pelo qual chegou até ali. Kyle retirou o pingente e viu que Lila ainda estava em posição fetal, mas movia-se lentamente. Apesar da pouca luz, enxergava bem as formas da fada, pois pequeninas linhas luminosas puseram-se a circular pelo corpo dela. Aquilo nunca havia acontecido antes, nem mesmo quando Kyle esteve conversando com Lila à noite. Ele tomou-a nas mãos e observou. Os pequeninos braços se soltaram do abraço contra os joelhos e ela espreguiçou-se, provocando cócegas na palma da mão de Blackwing. Ele sorriu, admirando a beleza daquele minúsculo ser. A luz própria da fada ficava mais forte e iluminou o rosto de Kyle de tons multicoloridos, principalmente azuis, púrpuras e vermelhos.

– Olá pequenina, sente-se bem?

Lila bocejou. A letargia ainda tomava conta de seu corpo. Murmurou algo que o rapaz não pode compreender. Aos poucos, suas asas se abriram, desdobrando-se como pétalas de flores. As asas tinham reflexos multicoloridos semelhantes ao de óleo iluminado sobre a superfície da água.

Ela sorriu e, sem se dar conta, agitou as asas flutuando para fora das mãos de Kyle.

– Voltei para casa? – falava consigo.

– Lila, tudo bem? – Kyle insistiu.

– Oh, senhor Kyle Humano? Que bom revê-lo! – voou alegremente e deu um beijo no nariz dele.

O aroma de ervas subiu forte pelo nariz de Kyle e teve que se conter para não espirrar. Ela se afastou e disse – Ora, me desculpe. Não pretendia...

Kyle coçou o nariz e balançou a cabeça como quem diz: sem problemas.

Ela olhou ao redor e exclamou – Uma árvore mãe! Não sabia que tinham destas por aqui!

– É – concordou – ela é mesmo incrível.

Lila voou como louca para cima e para baixo e fazendo espirais ao redor de Kyle, deixando atrás de si um rastro de pequenas luzes que esmaeciam.

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