CAPÍTULO 45

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A luz de amarelada de Teona iluminava o rosto de Kyle. Ao seu lado, Kiorina e Gorum aguardavam um tanto ansiosos. O rapaz tinha os olhos fechados e a respiração era tranquila. Kiorina lançou o feitiço e com isso, uma chama azulada e forte surgiu ao lado do rapaz. O movimento era rítmico, tal qual as batidas do coração de Blackwing.

Kyle viu a luz ao lado de seu corpo deitado, e observar a si mesmo, não era muito agradável. Estava fora de seu corpo havia um grande risco de não conseguir retornar, conforme alerta oferecido pelo oráculo. Para sua surpresa, viu uma figura conhecida, Noran. As cores e luzes do mundo real eram como um pano de fundo esmaecido frente as cores e luzes nítidas daquele outro plano em que penetrara.

– Olá Kyle – disse o espírito do tisamirense.

– Noran? – Kyle sorriu como raramente fazia – Fico feliz em vê-lo.

A expressão do tisamirense era plácida e seu sorriso bondoso – Tenho acompanhado vocês, tem sido um trabalho árduo mantê-los afastados de problemas.

– Que bom que ainda está conosco.

– O que pretende fazer?

Kyle indicou com um gesto. Havia uma ponte que levava a uma porta de luz alaranjada.

– Entendo. Infelizmente, não posso acompanhá-lo.

– Sei disso. Ele concedeu-me passe livre, a cada lua cheia.

– Suponho que só me resta dizer: boa sorte!

– Obrigado! É hora... – Kyle deslizou por sobre a ponte e penetrou o portão.

Era sua segunda experiência no mergulho de futuros em potencial. Sentiu-se um com o oráculo e a confluência de todas as possibilidades. Decidiu que desejava ver o que aconteceria dentro de um ano, caso não fosse até Saubics.

Eram tempos de guerra. Uma época de ressurgimento de criaturas malignas. Ele viu que havia um rei forte e poderoso. O rei Kel dominara todos os povos do Vale Verde e conduzia milhares de crianças escravizadas para o interior de uma floresta tomada por espíritos malignos. No centro desta floresta, tropas inumanas, com brutos ogros e bestiais reuniam centenas de crianças ao redor de um templo cujo brilho resistia às trevas circundantes. O templo era uma prisão cujo solo sagrado aprisionava um dos maiores terrores ancestrais já vistos. O rei, vestido com uma armadura brilhante, manto e capa vermelhos dava ordens para execução das crianças inocentes. Seus olhos eram malignos e avermelhados e sua boca mostrava dentes pontiagudos sedentos de sangue.  O sacrifício daquelas crianças era o passo final para libertar um grande terror. Aprisionado no fundo de um lago gelado, sob o templo, o caixão de metal envolto com selos antigos e poderosos se rompeu. Corpo do rei foi consumido em chamas e a essência daquele antigo mal voltou a habitar o monstro contido nas profundezas. No princípio, o monstro libertado foi tomado pela fúria e em êxtase devorava as crianças e os membros de seu exército de forma indistinta. Retomando suas energias, o demônio aquietou-se e reuniu aqueles que colaboraram para sua libertação e concedeu-lhes poder para espalhar o terror pelo mundo.

Ver aquele horror, em detalhes, congelou a alma de Kyle que retornou a seu corpo manifestando grande agonia.

Um grito de loucura irrompeu a noite e Kiorina e Gorum seguraram o rapaz que acordara de súbito se debatendo num acesso de histeria.

– Kyle! Acorde! – ordenava Gorum sem sucesso.

Do outro lado, Noran observava Kyle retornar a seu corpo, com a mente emanando pensamentos desesperados. Imediatamente, o tisamirense pôs-se em ação, emitindo pulsos tranquilizadores direcionados à mente desordenada do rapaz.

Kyle tinha os olhos abertos e chorava. – Horrível! Será horrível...

– O que houve Kyle, o que você viu? – Indagou Kiorina preocupada.

– Não sei o que irá acontecer a Lacoresh, mas devemos partir imediatamente para Saubics.

– Mas... – Dizia Kiorina que foi interrompida.

– O que? Eu não sei. – Kyle sorriu pela descoberta, em seguida, exclamou animado: – Eu não sei!

– Não sabe o que? – Gorum estranhava.

– Não sei o que vão dizer. Isto é ótimo!

Gorum deu com os ombros, não entendia nada daquilo e começava a pensar que Kyle podia estar ficando louco.

Kiorina refletiu por um momento e arriscou – Sua nova visão... Ela quebrou o ciclo da visão anterior, não é isto?

– Sim, acho que sim. Desta vez foi diferente. Eu não explorei possibilidades, talvez, tenha recebido uma ajuda. Vi algo terrível e apenas uma visão foi suficiente para tomar esta decisão.

– Ir a Saubics, você fala? – arriscou Gorum.

– Isso. Vamos! Mas, você sabe onde fica?

Gorum respondeu – Saubics, você diz? Acho que tenho uma ideia. Seu pai já esteve por aquelas bandas. É um bocado longe.

– Ótimo! Imagino que até chegarmos lá, terei ao menos mais uma oportunidade de novas visões.

Kyle levantou-se e olhou para o céu estrelado. Distraído, compenetrou-se olhando para as seis luas visíveis no céu. A memória de sua visão estava fresca, além do horror das imagens podia se recordar dos sons, gritos, choro, agonia e aquela palavra...

– Marlituk – balbulciou.

– Repete isso – pediu Kiorina, segurando-o pelo braço.

– Marlituk?

– Onde ouviu essa palavra? – a ruiva parecia assustada.

– Na minha visão... Acho que era o nome da coisa.

– Deuses! – Exclamou Kiorina – Mas será possível? O que viu em sua visão?

– O despertar de um monstro. Seus seguidores, um bando de fanáticos cantava seu nome num ritual macabro. Sabe algo a respeito?

– Sim... Lembra-se do Ector, não é mesmo?

– Claro, seu colega na Alta Escola...

– Sim, ele era muito curioso. Certa vez, roubou um livro da seção proibida da biblioteca da escola. Um livro que falava sobre demônios. Não ficamos com ele por muito tempo, apenas uma tarde. Ector tinha receio de ser apanhado... Havia um capítulo, que falava dos piores demônios. Este era um deles... Marlituk, o devastador de continentes. Somente com apoio dos próprios deuses, a coisa foi capturada e aprisionada. Dizem que era mau demais e poderoso demais para ser destruído ou mesmo exorcizado.

– Vocês acham que o objetivo dos necromantes possa ser libertar este demônio? – Gorum estava curioso.

– Se for, não serão eles a libertá-lo – informou Kyle – Eram seres leais a um rei maligno que nunca vi antes... Certamente não havia gente de Lacoresh envolvida.

Oráculo EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora