O palácio imperial lacorês ainda estava sendo reparado. Em uma de suas torres o regente andava de um lado para o outro, impaciente. Esperava o seu interlocutor. A imagem de Thoudervon finalmente surgiu no espelho.
– Ora, mas estás muito atrasado! – Arávner queixou-se.
– Estava ocupado, mas vamos logo com isto. Os navios estão preparados?
– Sim, quase.
– Então a resposta correta é não.
– O que quis dizer é que estarão prontos para amanhã.
– Muito bem.
– Chegou o momento de irmos, afinal. – Arávner estava um pouco animado.
– Eu irei – Thoudervon fez uma pausa – Mas você precisa ficar aqui.
– Ora, de jeito nenhum!
– Por acaso acha mesmo que está em posição de me questionar?
– Para falar a verdade, sim. Tu precisas de mim, quanto eu de ti.
– Você presume que seus milênios de vida e parco conhecimento sobre a antiguidade e seus poderes perdidos são muito grandes, não é? Mas saiba que em nada se comparam aos meus.
– Não vou mais me contentar com tuas bravatas. Em todos estes anos, nunca vi evidências de que tu sejas algo mais que um velho feiticeiro habitando um velho esqueleto.
– É mesmo um tolo por me tomar por um feiticeiro qualquer. Não importa! Não vou discutir com você. Nem mesmo gastarei meu tempo e energia confrontando-o. Estou apenas lhe comunicando que a sua tarefa é ficar aqui. Encontre e elimine Maurícius enquanto eu viajo para operar a Grande Eclosão. Sabe bem que precisaremos do império lacorês para avançar contra Nelfária e para recuperar as torres. Sem a força do império, o caos se espalhará e todos nossos esforços serão perdidos.
– Não sou teu servo e não obedecerei às tuas ordens.
– Ótimo, faça como quiser. O império me servirá de qualquer modo. Se decidir não fazê-lo, a princesa Hana e Calisto virão para governar em seu lugar. Recomendo que fique atento para não ser destruído por eles. Servirão tão bem como você, caso esteja disposto a levar adiante essa sua repentina rebeldia infantil.
Arávner gargalhou – Hana e aquele moleque? – mas algo passou em sua mente e engoliu seco – Eles estão com o orbe?
– Para sua sorte, não. Ainda assim, sugiro que seja cauteloso. As coisas funcionarão conforme meus planos, de um jeito ou de outro. Considere meu aviso um agradecimento em relação à nossa cooperação nestas últimas décadas.
– Thoudervon, espere. Eu... – o canal de comunicação havia sido rompido.
– Maldito! Maldito! – Arávner atirou objetos e empurrou móveis de seu quarto tomado por um acesso de raiva.
***
Hana conseguiu conduzir o grupo através do plano netéreo, pois todos, exceto Gorum, despertaram do transe extra-dimensional com relativa rapidez. Ao saírem do portal, Hana reconheceu a sala localiza no alto do Farol de Lacoresh.
A passagem pela estranha dimensão dotou Hana e Kiorina de energias que atuaram em seus corpos recuperando-os parcialmente dos ferimentos sofridos em Saubics.
Calisto manifestava seu tique nervoso, pois imaginava que se reencontraria com Thoudervon de imediato, mas depois de alguns minutos, teve certeza de que o lugar estava vazio.
– Tem mesmo certeza que foi Thoudervon que acionou o portal? – indagou Hana.
– Sim, senti seu chamado. – Respondeu ainda com a mão e o rosto tremendo.
– Ao que parece, ele pôde fazê-lo sem estar aqui – constatou Kiorina.
Gorum saiu do portal, mas acocorou-se enjoado demais para ficar de pé. Kyle estava um pouco tonto, mas melhor que seu tutor.
Calisto sentiu seu anel coçando. Deixou Kyle e os demais auxiliarem Gorum, que vomitava. Chamou Hana para acompanhar comunicação. A imagem de Thoudervon surgiu a partir do anel.
– Escutem bem, serei breve. – disse baixinho.
– Poderoso Thoudervon! – Calisto retrucou acompanhando o tom.
– Bajulador idiota! Estou disposto a perdoá-lo por sua falha miserável, prematuro, se cumprir duas simples tarefas.
– Diga e eu farei.
– Vocês devem seguir o quanto antes para o palácio e confrontar Arávner. Devem derrotá-lo. Hana é a herdeira legal, assim como você, se ela abdicar em seu favor.
– E a segunda tarefa? – indagou o rapaz de olhos negros sedento para ascender ao poder.
– Vocês devem encontrar Maurícius e destruí-lo. Preciso que a ordem seja restabelecida em Lacoresh, em especial, nos baronatos atacados por ele.
– O que houve? – indagou Hana, curiosa.
– Os baronatos do norte foram tomados pelas crescentes hordas de mortos-vivos comandadas por seu pai.
– Por que você não resolve isto pessoalmente, poderoso Thoudervon? – indagou Calisto.
– Infelizmente não há tempo. Tenho uma atividade fora daqui para realizar. Deixarei o destino de Lacoresh em suas mãos até meu retorno.
– E quanto a eles? – Calisto indicou Kyle e os demais, do outro lado da sala.
– Eles vieram para salvar Lacoresh. O tempo de retorno não poderia ser mais perfeito. Estou certo que poderá convencê-los a colaborar.
Hana compreendeu tudo e começou a bolar um plano. Disse a Calisto – Confie em mim, filho, vou convencê-los a nos apoiar.
Calisto deu uma guinada no pescoço sentindo-se desconfortável ao ser chamado de filho. Sua mãe sabia sobre como as coisas haviam evoluído em Lacoresh. Ele estivera fora por muitos anos, seria fácil tomar caminhos errados por simples desconhecimento da situação. Ele a escutaria.
Hana e Calisto foram até os demais. Gorum já estava um pouco melhor.
– Escutem – disse Hana – Não temos tempo a perder. A situação de Lacoresh é grave, mas se puderem me ajudar, me comprometo a consertar os crimes cometidos por meu pai e pelos necromantes.
Kyle não confiava nada nela, mas disse – O que pretende?
– Meu pai enlouqueceu de vez e tornou-se um morto-vivo. Ele tomou os baronatos do norte e ameaça destruir todo o reino. Precisamos detê-lo.
Calisto deu com os ombros e disse – Estou dentro, sempre odiei aquele velho.
– E tem mais – prosseguiu a princesa – Arávner usurpou o trono que por direito me pertence. Ele é o líder dos necromantes, mas agora eles estão divididos, lutando entre si. Após derrotarmos aquele que já foi meu pai, teremos que confrontar Arávner para trazer o trono para mim.
Calisto discordou daquilo e enviou pensamentos a Hana "Thoudervon disse para atacarmos Arávner e depois Maurícius".
A princesa se assustou com a comunicação. Kiorina percebeu o sobressalto de Hana e indagou – O que houve?
– Ah, não foi nada. É que me lembrei de algo. Ainda bem que foi a tempo. Alguns dos antigos rebeldes nos apoiaram em nossa recente fuga. Nasbit, Meinard, Vekkardi e outros.
– Sério? – Kyle estava surpreso.
– Sim, eles nos ajudarão novamente. Mas eu, mais que qualquer um e vocês, estou sendo procurada pelos homens de Arávner. Ele deseja se livrar de mim para legitimar sua posição no trono. Teremos de agir com extrema cautela.
Kyle ponderou e disse – Temos inimigos em comum e lutaremos juntos.
Mas ainda sentia-se desconfortável, pois tinha a sensação de que seriam traídos pelo rapaz de olhos negros antes de tudo terminar.
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Oráculo Esquecido
FantasyAs esperanças do reino de Lacoresh estão nas mãos de Kyle e seus companheiros e sua missão de obter respostas junto ao Oráculo. Mas antes de obter tais respostas, outras revelações mostram que um mal que surge nos reinos do Vale Verde. Seria algo o...